Religiosas alemãs chegaram em 1921, criaram um colégio primordial na construção de Goiânia e que ainda hoje guarda muito da história da cidade
Maria Bonifácia Vordermayer, Maria Benedita Tafelmeier, Maria Ludmilla Schoropp, Maria Willibalda Maier. Nomes em português e sobrenomes alemães que contam um pouco da história de Goiânia, de um tempo em que nem mesmo a cidade existia. Em 1921, essas quatro mulheres, freiras franciscanas da cidade de Au am Inn, receberam dos padres redentoristas uma missão que exigia coragem e desprendimento. Elas foram incumbidas de fundar um colégio no coração de um sertão cheio de perigos, isolado, carente em todos os aspectos.
Elas chegaram à pequena Campininha das Flores na manhã do dia 18 de outubro, após semanas de uma penosa viagem. Português, elas não falavam bem. Trajando hábitos quentes, sofriam com o calor intenso. Não havia sequer um lugar mais adequado para que pudessem se instalar de imediato, tendo que contar com a hospitalidade dos moradores locais. A residência do casal João Dias e Júlia Duarte Dias serviu de primeiro abrigo. O convento onde as freiras desenvolveriam seu trabalho não estava pronto.
Essa é a gênese do Colégio Santa Clara, que começou como uma construção modesta, mas que foi se ampliando e ganhando prestígio. Os padres redentoristas que cuidavam da Igreja Nossa Senhora da Conceição – que depois seria transformada na Matriz de Campinas – estavam angustiados com o fato de não terem uma instituição de ensino que atendesse a região, que já contava com a Romaria do Divino Pai Eterno na vizinha Trindade, recebendo devotos de todo o Estado na maior festa religiosa goiana.
“É um testemunho de fé e coragem imenso. Sair da Alemanha e vir para cá, sem saber a língua, a cultura, em um lugar onde não havia nada ainda”, avalia a Irmã Nathalia Jakitsch, que cuida de um memorial dentro do Colégio Santa Clara, onde estão vários registros daquele início difícil. “Saírem daquela organização da casa-mãe da congregação, na Baviera, para um lugar que precisava começar do zero, onde tudo era improviso. É impressionante a força daquelas mulheres.” Uma saga que demandou enorme esforço das quatro missionárias.
De acordo com Irmã Áurea Cordeiro Menezes, que escreveu o livro O Colégio Santa Clara e sua Influência Educacional em Goiás, tudo começou ainda em 1920, quando o Provincial dos padres redentoristas de Gars, Matias Prechtl, após uma visita ao Brasil, voltou à Alemanha com a ideia de que as Irmãs Franciscanas de Dilligen, ordem estabelecida na localidade de Au am Inn, ajudassem na catequese no interior brasileiro. Ele consultou a provincial das freiras, irmã Boaventura Gietl, e fez o pedido. Após um tempo refletindo sobre o tema, ela designou quatro membros para a missão.
Maria Bonifácia Vordermayer era professora de pintura e trabalhos manuais. Maria Benedita Tafelmeier era professora licenciada em Pedagogia. Maria Ludmilla Schoropp, por sua vez, era costureira. E, por fim, Maria Willibalda Maier sabia administrar residências religiosas. De acordo com o relato do livro de Irmã Áurea, o quarteto passou por um retiro espiritual de cinco dias antes de iniciar a viagem para o Brasil, deixando o convento onde moravam na Alemanha no dia 7 de agosto de 1921.
O padre redentorista Estêvão Heigehauser as acompanhou na jornada.
Em 10 de agosto daquele ano, elas embarcaram no vapor Zeelândia, que zarpou do porto de Amsterdã, na Holanda. Após 17 dias atravessando o Atlântico, elas chegaram ao Rio de Janeiro. De lá, foram para Aparecida do Norte, em São Paulo, onde passaram semanas estudando português. Também tiveram informações sobre Goiás. Em 10 de outubro, de trem de ferro e fazendo várias baldeações, chegaram à estação de Roncador, ponto final da linha, nas margens do Rio Corumbá. De lá, foram de automóvel para Bonfim (atual Silvânia) e depois para Bela Vista.
“Elas chegaram vestindo hábitos pretos, pesados, num clima muito quente”, salienta Irmã Nathalia Jakitsch, que hoje mora na casa das freiras, ao lado do colégio. As missionárias colocaram a mão na massa logo. Já em 9 de janeiro de 1922, as aulas começaram no Colégio Santa Clara. A primeira turma tinha 14 alunas. O curso normal só seria instituído em 1926. Assim, Campininha ganhava um centro de formação de meninas. Muitas delas ingressariam na ordem. Na época, apenas as cidades mais importantes do Estado contavam com ensino de qualidade.
Quando as imediações da pequena localidade foram escolhidas, por arranjos políticos e circunstâncias diversas que antagonizaram o interventor Pedro Ludovico e forças poderosas da época, como o bispado, para sediar a nova capital goiana, o Santa Clara se viu diante de mais um desafio. Foi o colégio fundado pelas quatro irmãs franciscanas que incumbiu-se de boa parte das cerimônias religiosas da inauguração de Goiânia. O coral das estudantes da instituição cantou na missa campal no dia do lançamento da pedra fundamental.