Dona Antonieta

Altruísmo iluminado pela luz do espiritismo

Maria Antonieta Alessandri

Mulher fundamental na divulgação e compreensão da doutrina espírita em Goiás, Maria Antonieta Alessandri fundou 18 entidades filantrópica

Nos anos 1940, era muito raro encontrar uma mulher que desafiava convenções, que decidia seu próprio destino, que determinava as escolhas que guiariam sua vida, sobretudo se tais opções fossem menos ortodoxas. Maria Antonieta Alessandri pertenceu a este seleto e corajoso grupo de pessoas. “Minha mãe sempre esteve muito à frente de seu tempo. Ela tem um discurso feminista escrito em 1934. E sempre fez questão de estudar”, relata sua filha, a ex-deputada e professora Raquel Teixeira. “Ela era terrível”, ri, lembrando-se da mãe, que faleceu em 2009.

Essa coragem e determinação que mostrou desde cedo, quando ainda era adolescente, foram imprescindíveis nas obras que construiria em Goiás, sobretudo em prol da doutrina espírita, da qual foi uma das pioneiras na Goiânia que acabara de nascer. “Minha mãe era de uma família espírita do Triângulo Mineiro. Ela nasceu em Monte Alegre, perto de Uberaba e Sacramento. A avó dela foi amiga do médium Eurípedes Barsanulfo. Essa minha bisavó tentou salvar um filho doente levando-o a Sacramento. O menino morreu, mas ela tornou-se próxima do espiritismo”, relata Raquel.

No início, essa sua vocação em prol da doutrina manifestou-se como uma sede de saber em relação à espiritualidade de forma mais ampla. E mesmo depois que dedicou-se com mais afinco à corrente kardecista, Maria Antonieta não deixou de ter um profundo interesse por outras religiões. “Ela estudava muito. Sabia tudo de umbanda, de budismo. Ela chegou a fazer um retiro de três meses com o líder espiritual Sathya Sai Baba, na Índia. Era curiosa com tudo”, descreve a filha. Vontade de pesquisar e entender que veio desde sempre, mesmo que para isso precisasse se superar.

Aos 12 anos, convenceu os pais de que precisava continuar os estudos básicos e matriculou- se como normalista em Uberlândia. De lá, fincou pé e mudou-se para Belo Horizonte para cursar faculdade aos 20 anos. “Meu avô foi totalmente contra. Naquela época, no final dos anos 1930, uma moça de família ir para a capital, sozinha, para estudar, era inconcebível”, contextualiza Raquel. “O pai dela dizia que ela poderia virar prostituta se fizesse isso, ao que a mãe dela, minha avó, respondeu: ‘isso não vai acontecer, mas se acontecer, não será a primeira e nem a última’.”

Os temores do pai, obviamente, não se confirmaram. Em Belo Horizonte, Maria Antonieta, ao invés de se perder, se achou. Lá ela conheceu um jovem e promissor estudante de Medicina, por quem se apaixonou. Seu nome era Clóvis Figueiredo e estava em seu destino ser um dos primeiros cardiologistas de Goiás.“Minha mãe tinha um noivo na época. Pois ela desmanchou esse noivado para se casar com meu pai. A família dele era católica e foi contra a união com uma espírita. Mas minha mãe garantiu que os filhos receberiam formação católica”, afirma Raquel.

Quando Maria Antonieta e a família do marido se conheceram melhor, perceberam que havia muito mais a uni-las que a separá-las. “Minha avó, mãe do meu pai, era uma pessoa muito espiritualizada, assim como minha mãe. Elas se identificaram, se deram superbem.” O casal se formou e decidiu vir para Goiânia, em 1944, para construir aqui sua vida em conjunto.

O final dos anos 1940 marcaram o início de uma trajetória cheia de feitos, sempre em prol dos pobres. <QA0>
O estudo da doutrina espírita aliava-se à construção de obras filantrópicas, que ainda hoje fazem toda a diferença na vida de milhares de pessoas. “A Fundação Pestalozzi foi criada na nossa casa”, recorda Raquel Teixeira. “Meu pai, apaixonado, deu um presente para a minha mãe, um terreno na Vila Nova. Ela pegou o presente e o doou para a construção da sede do que é hoje a Irradiação Espírita de Goiás. Ela era assim.”
Esse projeto nasceu com outra configuração, mas sempre com Maria Antonieta à frente. “O nome do lugar era Centro Espiritualista Eclético Tenda do Caminho. Depois houve a separação e a criação da Irradiação Espírita”, informa Raquel. A partir daquelas primeiras iniciativas surgiram obras como o asilo Solar Colombino, a Instituto Educacional Emmanuel, os núcleos pré-escolares Humberto de Campos e Bezerra de Menezes, a Casa da Pequena Costureira, a Escola e Lar Matilde, a Obra do Berço.

“Ao todo, minha mãe participou ativamente da fundação e da sustentação de 18 grandes obras espíritas”, diz Raquel Teixeira. “Ela usava muito bem sua inserção social para conseguir recursos para esses projetos. Foi amiga de todas as primeiras-damas desde Dona Gercina, conseguindo ajuda para as obras. E mantinha atividades, como fábricas de lençóis, vendendo produtos para amparar financeiramente todos esses trabalhos.”
Em casa, Maria Antonieta também encontrava suporte. 

O marido, Clóvis Figueiredo, médico renomado, transferia seu consultório para as obras da esposa, onde atendia de graça. “E ele compreendia o trabalho de mamãe. Ela chegava tarde por conta das reuniões e quem cuidava dos filhos era ele nesses momentos. Fazia as compras da casa, levava os filhos para a escola. Meu pai aguardava mamãe chegar para esquentar a sopa para ela tomar à noite. Mamãe reconhecia. Na porta do quarto deles tinha uma placa: ‘aqui mora o melhor marido do mundo’.”

Entre 1958 e 1986, Maria Antonieta presidiu a Irradiação Espírita, mas mesmo antes disso ela conseguia feitos que pareciam impossíveis. Em 1957, na inauguração do Instituto Emmanuel, no Setor Sul, ela tanto fez e articulou que a placa do prédio foi descerrada por ninguém menos que o então presidente da República, Juscelino Kubitschek. Ela também convenceu empresários da comunicação no Estado a abrirem espaço para conteúdos kardecistas, assim como fez com que governos colocassem na lista de apoio de cunho filantrópico o atendimento a instituições espíritas.

“Tudo isso ajudou a diminuir o preconceito que existia e ainda existe em torno do espiritismo. Ela tinha uma ótima relação com outras religiões. Padres e pastores evangélicos, presbiterianos foram convidados a falar na Irradiação Espírita. Quando ela morreu, pessoas de várias religiões se prontificaram a orar por ela. Minha mãe contava com enorme respeito e carinho de todos”, emociona-se Raquel. De acordo com ela, sua mãe obteve esse status por seu carisma, mas também pela seriedade do trabalho e dos estudos que desenvolvia. “Ela criou espaços de reflexão profunda.”

A importância das iniciativas de dona Maria Antonieta era reconhecida em todo o País. Um de seus amigos próximos era o médium mineiro Chico Xavier. Eram constantes os encontros entre os dois. Com frequência, ela ia a Uberaba para visitá-lo e não era raro Chico aparecer em Goiânia a convite de amigos para visitar obras espíritas.

Maria Antonieta morreu em dezembro de 2009, aos 91 anos. Morava no Centro, a duas quadras da Praça Cívica. “Ela gostava de morar ali porque ia ao Teatro Goiânia a pé. Assistia tudo em cartaz lá.” No dia de seu falecimento, a pioneira espírita de Goiânia recebera uma homenagem no Palácio das Esmeraldas do então governador Alcides Rodrigues. “Ela foi embora sozinha, nem me esperou. À noite, a menina que cuidava dela me ligou dizendo que mamãe se queixara de uma dor no peito. Ela pediu para abrirem a porta porque estava indo embora. Quando cheguei, ela já havia partido.

Expediente

Edição Multiplataforma
Silvana Bittencout, Fabrício Cardoso, Rodrigo Alves e Michel Victor Queiroz

Reportagem
Rogério Borges

Edição de fotografia
Weimer Carvalho

Arte
André Luiz Rodrigues

Design
Marco Aurélio Soares

Audiovisual
Carmem Curti
Share by: