Autora de um clássico da literatura produzida em Goiás, Rosarita Fleury foi vanguarda no estímulo de uma vida cultural na nova capital que desabrochava
Quando a pedra fundamental de Goiânia foi lançada, em 1933, Rosarita Fleury tinha apenas 20 anos de idade. A região da nova capital, porém, lhe era familiar. Ex-aluna do Colégio Santa Clara, na antiga Campininha das Flores, ela havia deixado sua cidade de Goiás por um período para estudar na prestigiada instituição de ensino dirigida pelas freiras franciscanas. Quando a mudança da capital se efetiva e boa parte da vida cultural da antiga Vila Boa se vai junto com a sede do poder, Rosarita começa a se inquietar. E também resolve que é hora de vir junto.
“Rosarita abraça Goiânia com a força de sua alma poética. O isolamento, a tristeza, a saudade, o desamor, tudo a incentiva a escrever, poetar e sonhar sempre. Fez da poesia e literatura seu objetivo maior de vida”, afirmou sua filha, Maria Elizabeth Fleury Teixeira, em entrevista a O POPULAR para o caderno dos 80 anos do jornal, no início deste ano. Autora do livro Rosarita – Minha Mãe, Beth Fleury salienta que a decisão de também se mudar para Goiânia influiu na obra da escritora. “Ela, com sua alma poética, buscava nas horas vazias e insípidas a inspiração para seus versos.”
Versos e prosa que fariam seu nome ser reconhecido, nas décadas seguintes, como um dos mais expressivos da literatura produzida em Goiás. Gosto pela palavra que ela trouxe ainda de sua infância. Ela costumava ouvir histórias de empregados e de ex-escravos alforriados das fazendas de seus avós nos arredores da antiga capital goiana. Um deles era um negro de nome Saul, que tinha o dom da oratória e da narrativa e sabia encantar, com seus causos, aquela menina curiosa. “Com seus oito ou nove anos, minha mãe confessou ao meu avô o desejo de ser escritora”, conta Beth.
Esse imaginário pode ser percebido em seus dois romances, sobretudo no segundo deles, Sombras em Marcha, último livro que ela lançou em vida, em 1983. Mas muito antes disso, Rosarita já havia, mesmo tendo estreado com volumes de poesia, conquistado visibilidade nacional com a obra Elos da Mesma Corrente. Publicado em 1958, o trabalho foi agraciado com o Prêmio Júlia Lopes de Almeida, concedido pela Academia Brasileira de Letras. Era um livro ousado, moderno, complexo, que ainda hoje é considerado um romance de alta qualidade pela crítica literária.
Nessa época, Rosarita já gozava de prestígio em Goiás, algo que começou a construir nos primeiros anos de existência de Goiânia. No período em que tudo era incipiente na nova capital, a escritora ajudou a então primeira-dama, Dona Gercina Borges, a movimentar a cena cultural. “Rodeava-se de amigos e amigas do ‘bando da alegria’. Idealizou saraus, festas juninas para a construção da Santa Casa. Ela e Dona Gercina criaram um jornal cultural batido à máquina. Fizeram o Baile do Livro, arrecadando 78 volumes para compor a primeira biblioteca da cidade”, lista a filha Beth.