Alguns dos cartões-postais de Goiânia são seus parques, ilhas verdes e com lagos no coração de vários bairros da capital que ajudam a deixar a paisagem urbana mais bonita e melhoram a qualidade de vida dos moradores, que assim contam com amplos espaços para fazer atividades ao ar livre. Até aí, tudo bem. Mas alguns processos de instalação dessas áreas geraram consequências no decorrer do tempo, acarretando ou agravando problemas que afetam até mesmo quem mora a certa distância desses pontos. Um deles está ligado à grande impermeabilização do solo.
Arquiteta e urbanista do Instituto Federal de Goiás – Campus Goiânia, Sueli Souza de Oliveira Soares vem estudando esses impactos em uma das áreas em que eles mais têm aparecido, a região do Parque Flamboyant. Em suas pesquisas, reunidas na dissertação de Mestrado intitulada O Processo de Densificação e Verticalização e Seus Impactos no Sistema de Drenagem de Águas Pluviais: Estudo de Caso do Jardim Goiás, em Goiânia, ela traça um diagnóstico dos principais problemas a serem enfrentados e aponta para algumas maneiras de fazer isso.
“Essa parte da cidade foi ocupada de uma forma muito rápida. A política de criar parques para revitalizar determinadas regiões não é ruim, mas é preciso encontrar um equilíbrio entre os interesses e as necessidades imobiliárias e o meio ambiente”, destaca. “Goiânia é uma cidade relativamente jovem, mas já apresenta problemas de cidades mais antigas e até maiores. Isso chama a atenção, assim como o ritmo acelerado de verticalização em determinadas áreas, como esta do Parque Flamboyant”, aponta a pesquisadora.
Em seu estudo, ela demonstra que a ocupação predial em torno do Parque Flamboyant, ocorrida nas últimas duas décadas, ocasionou uma grande taxa de impermeabilização do solo. “A maior parte dos edifícios, muitos construídos contiguamente, rebaixaram o lençol freático e impermeabilizaram o solo.” Um processo que superou o que é recomendado. “O parque foi criado como uma unidade de conservação e ele tem um plano de manejo, mas ele não foi cumprido a rigor. Sua implantação contou com estudos da Agência Ambiental, mas a fiscalização não foi muito eficiente.”
A pesquisadora salienta que unidades de conservação em áreas urbanas precisam observar normas específicas, como um recuo mínimo das construções em relação ao espaço preservado. “Antes, essa distância era de 500 metros. Depois foi reduzida para 100 metros. Mas no Parque Flamboyant, essa distância está longe da ideal. Além disso, recomenda-se uma zona de transição.” Dos parques mais densamente ocupados em seu entorno em Goiânia, o Flamboyant é o que mais os prédios se aproximam da área de preservação quando comparado ao Vaca Brava ou ao Areião, por exemplo.
Além de não contar com essa “zona de amortecimento”, boa parte das construções do local foi erguida antes da aprovação de uma lei municipal, a 9.511, de 2014, que trata mais especificamente do manejo do solo e das águas em Goiânia. Essa legislação buscou, por parâmetros técnicos, amenizar os danos causados pela excessiva impermeabilização do solo, definindo porcentagens mínimas do terreno que não devem ser cimentados. “Tem que ter 15% de permeabilidade em todos os lotes. Pode ser, por exemplo, 5% de grama e 15% de pavimentos permeáveis”, explica Sueli.
Outra novidade que a lei trouxe e à qual os empreendimentos tiveram que se adaptar foi a obrigação de implantar os poços de infiltração, que auxiliam no reabastecimento dos lençóis freáticos, encaminhando parte das águas da chuva diretamente para o subsolo. “Para cada 200 metros quadrados de terreno, essa caixa de recarga deve ter um metro cúbico de armazenamento”, informa a arquiteta. “Essa é uma solução bem interessante. Você constrói essa caixa no fundo do terreno e a água armazenada ali vai infiltrando aos poucos na terra, que é uma destinação correta.”
Segundo Sueli, ainda que o preço das obras possam aumentar com o acréscimo do poço de infiltração, vale o investimento. “Ele quase não demanda manutenção. Costumamos construí-lo com manilhas, fazendo preenchimento com brita nas laterais e no fundo.” Segundo a legislação municipal, os poços devem ter 2,6 metros de profundidade máxima e observar uma distância mínima de 1,5 m em relação ao lençol freático. “Nós temos bons mecanismos legais, mas eles precisam ser implementados e é necessário haver fiscalização efetiva”, comenta a pesquisadora.
Em seu estudo, Sueli mostra que as intervenções em prol de dar mais permeabilidade ao solo são simples e deveriam ser adotadas pelo poder público e pelos moradores. “Poderia haver mais substituição de áreas cimentadas ou pavimentadas por grama ou outra cobertura vegetal. Além de melhorar a infiltração da água, deixa o microclima mais agradável, diminuindo o calor, além de ser visualmente mais bonito”, opina. “A construção de poços e trincheiras de infiltração, algo que não é tão complicado, daria uma grande contribuição nesse sentido.”
Ela também sugere investimentos em obras de maior porte, como bacias de detenção, espécies de piscinas que impedissem que toda a água das chuvas chegasse aos córregos de uma vez só. “Isso reduziria a velocidade e o volume exagerado de água, evitando danos. Não há soluções isoladas. Elas são sempre conjuntas.” Uma delas passa por conscientização e convencimento da população a colaborar. “Já existe o mecanismo de desconto de IPTU, uma espécie de imposto verde, para quem adotar práticas sustentáveis. Ele precisa ser melhor regulamentado e divulgado.”
Os efeitos já são sentidos
Uma melhor gestão da permeabilização do solo e das águas pluviais significaria a prevenção de diversos problemas que se tornaram comuns em Goiânia. “Depois que a área do Parque Flamboyant foi tão densamente ocupada, com alto nível de impermeabilização do solo, as enchentes na bacia do Córrego Botafogo pioraram”, atesta a arquiteta e urbanista Sueli Souza. “A água não está infiltrando como deveria e ela chega ao córrego de forma muito veloz. Quando você fala em adensamento, não são apenas os prédios, mas toda a estrutura urbana que os acompanha.”
Ela se refere à pavimentação das ruas, à construção de calçadas e estacionamentos, às áreas de lazer que são cimentadas e ganham declives diversos. Com isso, o solo não absorve a parte da chuva que deveria e tudo vira uma grande enxurrada, visível ou subterrânea, via galerias pluviais. “Temos alagamentos naquele viaduto que dá acesso ao Shopping Flamboyant que são assustadores. E agora as enchentes na Marginal Botafogo. Toda a água dessa região vai para a marginal. Às vezes, a gente acha que choveu pouco para tamanho estrago, mas é que quase não há infiltração no solo.”
Em sua pesquisa no IFG, Sueli analisou, entre outros pontos, o Córrego Sumidouro, que nasce exatamente onde hoje está o lago maior do Parque Flamboyant. “Em épocas de chuvas, nós identificamos três pontos de nascente do córrego. Mas quando chega a seca, ele praticamente some. Isso é sinal de que o lençol freático da região está comprometido.” Para a construção do parque, esse curso d´água foi canalizado, voltando às suas características originais mais abaixo, na área que antes era conhecida como Vila Lobó, já próximo de cair no Córrego Botafogo.
“Interessante é que naquela área, ele se parece com um córrego novamente. Mesmo com construções mais próximas das margens do que deveriam estar, lá há mata ciliar, o que preserva mais o curso d´água”, avalia Sueli. Ela enfatiza que o tratamento a este e outros pequenos córregos que cortam a cidade, assim como os outros pontos que digam respeito ao manejo de solo e águas, deve ter em perspectiva o Plano Diretor da cidade. “Ele é muito importante para nortear as ações, tomar as medidas necessárias para prever e resolver problemas.”
Em seu mestrado defendido no IFG, Sueli faz um grande apanhado sobre os diferentes planos diretores que já foram implementados em Goiânia. Ela fala do plano original, vigente entre os anos de 1933 e 1938, assim como do Plano Luis Saia (do final dos anos 1950 e início dos anos 1960), do Plano Jorge Wilheim (do final dos anos 1960) e dos planos diretores de 1992 e de 2007, que agora passa por novas modificações. “São oportunidades de pensar a cidade e suas mudanças. Uma política para tratar das águas pluviais e da permeabilização do solo é essencial.”