Goiânia 86 anos

Luz!

Goiânia!

Ação!

Goiânia, que hoje festeja 86 anos, nasceu de uma ideia. A força dessa lógica permanece até hoje entre os filhos da terra, conforme atestam as histórias contadas nessa edição.

São pessoas que tiveram uma iluminação e, por amor à cidade, fizeram dessa inquietação pessoal um combustível para transformar a realidade de todos.

Você pode até não conhecê-las pessoalmente, mas estão em vias de viver num lugar melhor graças ao esforço delas de levar ideias adiante.

Textos e reportagem: Rogério Borges

Uma capital desconhecida

Parte do Centro de Goiânia poderia ter outra cara caso um projeto antigo saísse do papel, o que revelaria edifícios históricos e significaria uma chance de revitalizar a região
O projeto já tem algum tempo, mas a vontade de fazê-lo prosperar não diminuiu para a arquiteta Anamaria Diniz, autora de uma iniciativa que visa recuperar a memória arquitetônica do centro de Goiânia e transformar o cotidiano da região. Batizado de Cara Limpa, esse conjunto de ações inspira-se em casos de sucesso em outros lugares. “Fizemos o projeto ainda em 2003 e ele previa a revitalização do canteiro da Av. Goiás e propostas para recuperar as fachadas dos prédios históricos do centro, promovendo um equilíbrio com as necessidades comerciais e a preservação”, destaca.

Parte do projeto chegou a ser colocada em prática. Ele norteou as reformas da Av. Goiás, ainda que algumas modificações não tenham permitido sua implementação completa. “Os pergolatos no canteiro central eram para servir como pontos dos comerciantes que ficavam nas calçadas laterais. Havia até pontos de energia instalados, mas isso nunca aconteceu”, lamenta Anamaria. Na verdade, muitas outras etapas ficaram apenas no papel. “Já se passaram 15 anos desde aquela primeira tentativa e até hoje as coisas não mudaram muito. As fachadas dos prédios continuam escondidas.”
Essa ausência de ações efetivas impede que Goiânia tenha o destino do local que inspirou o Projeto Cara Limpa. “Quando eu era estudante, eu presenciei a revitalização do centro antigo do Rio de Janeiro, com a recuperação de imóveis de vários estilos. Além disso, lá, na região ali da Carioca, da Cinelândia, por exemplo, foram feitas ações para criar corredores de cultura, que existem até hoje, tantos anos depois. Isso fez com que a área fosse revitalizada, ganhasse vida cultural. O objetivo era fazer algo parecido aqui, tirando o centro de Goiânia do ostracismo em que se encontra.”

Rodolfo Otávio Mota, presidente da Caixa de Assistência aos Advogados de Goiás (Casag), cuja sede é um prédio histórico em plena Av. Goiás, elogia essa política de preservação e resgate. “Temos que incentivar a recuperação da memória. O centro passou por um processo de esquecimento e precisamos apoiar as ações que tentam fazer o inverso, valorizar a região.” Segundo Anamaria, o prédio da Casag foi o único do trecho da Av. Goiás entre a Praça Cívica e a Praça do Bandeirante que observou as indicações do projeto e foi reformado de acordo com o sugerido.

O corredor cultural que a arquiteta viu surgir no centro carioca também poderia ser reproduzido em Goiânia. Nesse sentido, iniciativas esparsas chegaram a ser implementadas, como o chorinho na calçada do Grande Hotel, na Av. Goiás, e as noites musicais no Mercado da Rua 74, mas elas ainda são escassas. “A ideia era fazer circuitos, que poderiam ser gastronômicos, de museus, de centros culturais”, aponta Anamaria. Mas tudo isso só funciona se houver a adesão voluntária das pessoas, um engajamento real de quem vive e trabalha no Centro”, acrescenta.

Para que isso ocorra, ela sugere que o poder público seja mais efetivo na concessão de benefícios fiscais para quem cuidar melhor de seu imóvel, sobretudo os históricos. “Isso foi feito em outras cidades e deu certo”, salienta. “Nada pode ser imposto. Na época, fizemos muitas sugestões para comerciantes que aliavam a visibilidade de seu negócio e a recuperação da fachada dos imóveis. Percebemos que havia três camadas. A primeira era formada pelos letreiros, a segunda era a que estava coberta pelas propagandas e a terceira é a idealizada, unindo as duas coisas.”

Na ocasião, levantamentos de muitos dos prédios da Av. Goiás, em um trecho piloto, foram realizados. “Seria preciso prosseguir com esse estudo na parte da Goiás abaixo da Praça do Bandeirante e também na Av. Anhanguera. Dessa forma conseguiríamos propor uma padronização correta do calçamento, desobstruir aberturas, como janelas e sacadas, adequando esses prédios ao Código de Posturas do Município, em vigor desde os anos 1970. Isso permite recuperar e criar identidades para a região, valorizando os próprios imóveis no mercado”, afirma Anamaria.

Quando isso não acontece, as intervenções de melhoria não se estabelecem como deveriam. Em uma oportunidade, prédios do Centro foram pintados como uma tentativa de revitalização, mas pouco tempo depois os edifícios já estavam pichados. “Já houve a destinação de verbas para outros projetos no Centro que se basearam no Cara Limpa, mas essas iniciativas não foram para a frente. Faltou algo mais estrutural, que passasse por trazer a comunidade para dentro do projeto. Se isso acontecesse, a qualidade de vida na região melhoraria muito”, atesta Anamaria.

Um novo Centro?

A reforma da Rua do Lazer, no Centro, é uma das intervenções mais recentes na região feita pela Prefeitura de Goiânia, assim como as obras para a linha do BRT que vêm sendo realizadas no canteiro central da Av. Goiás. A arquiteta Anamaria Diniz se preocupa com essas ações. “Pode descaracterizar o que queremos preservar.” As obras ganharam permissão do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O órgão, que fiscaliza a preservação do sítio art dèco do Centro – que é tombado –, garante que estudos asseguram que o patrimônio não será prejudicado.

Ao longo da história, o Centro de Goiânia perdeu glamour e importância, cultural e comercial. A abertura de shoppings e o deslocamento do comércio de rua para outras regiões desidrataram o espaço que foi, nas primeiras décadas da cidade, o coração da capital. “Tivemos algumas fases de ocupação e de construção dos imóveis no Centro. A primeira escala foi de 1935 a 1945, com prédios de até 3 pavimentos. Depois, nos anos 1960 e 1970, houve um avanço imobiliário, com prédios de 20 andares ou mais. A partir dos anos 1980, começaram os vazios”, reconstitui Anamaria.

A abertura de estacionamentos e a demolição de imóveis históricos consolidaram esse movimento de abandono do Centro, assim como intervenções desastradas em algumas de suas principais vias. A mais visível foi a mudança na Av. Anhanguera, no final dos anos 1990, que descaracterizou essa importante artéria viária e afetou o comércio. Algumas tentativas foram feitas para um retorno aos antigos tempos. Projetos como o Galeria Aberta, com obras de arte de renomados artistas expostas em fachadas de prédios, buscaram esse resgate, mas todas esbarraram na realidade econômica.

Para o presidente da Casag, Rodolfo Otávio, investir na preservação do patrimônio histórico e arquitetônico pode surtir efeitos também nesse sentido. “Aqui já funciona o escritório compartilhado para os associados. Isso devolve movimento ao comércio local, como restaurantes e lojas de artigos de papelaria. Se mais segmentos fizessem isso, haveria mais atividade, com menos imóveis desocupados, com ruas mais cheias. Opções para lazer nos finais de semana e à noite também seriam importantes nesse sentido. Assim é que se recupera uma região”, conclui.


Plantar para colher

Várias iniciativas promovem a implantação de hortas em colégios, aproveitando espaços vazios e incrementando o cardápio da merenda escolar
Aquele tempo mais calmo, mais manso e despreocupado, em que tudo tem seu momento de brotar, de crescer, de morrer. Fora das tecnologias modernas, sem ligar para resultados financeiros, sem se importar em não ter toda a comodidade do mundo, a lida com a terra tem muito a ensinar, sobretudo para quem vive ininterruptamente imerso no ambiente urbano, com suas correrias cotidianas, seus horários implacáveis, suas cobranças diárias. Cultivar uma horta, portanto, é algo bastante estranho num cenário de cimento, asfalto, buzinas, barulhos alucinantes e estresse.

Este foi um dos motivos para que Jordana Mendonça, 30 anos, e as amigas Melina Repezza, Rayana Almeida e Bárbara Lopes buscassem uma alternativa a essa lógica, além de ocuparem espaços ociosos que poderiam ser aproveitados, melhorando a alimentação de muitas pessoas. Criar hortas contribuiria para todas essas questões e no lugar de um matagal surgiu o cultivo que auxiliaria na merenda escolar do colégio escolhido. “Essa ideia surgiu em 2016. Queríamos contribuir para ocupar espaços da cidade com agricultura urbana”, conta Jordana.

Nesses três anos, o Instituto Ecomamor desenvolveu várias iniciativas nesse sentido. “Nós levamos essas hortas a praças, centros de educação e saúde. Daí também vem o nome, Ecomamor, que integra as palavras ecologia, comunidade e amor”, ressalta Jordana. A atuação da ONG foi amadurecendo aos poucos, com as coordenadoras procurando focos específicos para deixar o trabalho mais eficiente. No final de 2018, lançaram uma chamada pública, abrindo a oportunidade para que instituições de ensino pudessem receber uma horta em seu terreno.

“Fizemos em Goiânia, Aparecida de Goiânia e Senador Canedo. Selecionamos algumas delas e plantamos hortas, dando formação continuada para que as pessoas conseguissem cuidar de tudo corretamente”, explica a fundadora. Para o ano que vem, o projeto passará por novas modificações. “Vamos abrir um edital, apenas para Goiânia, para atender 40 escolas da rede municipal da capital. Percebemos que precisamos ser ainda mais centradas nesse atendimento para que a parceria com a Prefeitura funcione melhor. Por isso, agora vamos atuar apenas em Goiânia”, justifica.

Uma atuação que se baseia em quatro frentes principais. “Falamos da educação, do meio ambiente, da comunidade e da alimentação em si. Participamos de cursos de qualificação, como o de compostagem, para que o trabalho seja o melhor possível. Qualificamos equipes para que tenham autonomia nos cuidados das hortas, fazendo com que as pessoas possuam, de fato, aquele espaço para elas mesmas, para a comunidade em que vivem”, salienta Jordana. Isso se vê na importância que é dada, por exemplo, na participação de professores e alunos das unidades de ensino do projeto.

Diretor do Centro de Ensino em Período Integral (CEPI) Dr. Antônio Raimundo Gomes da Frota, Werciley Gonçalves da Silva foi um dos gestores que abraçaram a ideia. Na unidade de ensino integral localizada na Cidade Jardim, ele reservou parte dos fundos do terreno, que não tinha utilização, para implantar a horta. “Serve como uma educação para fora da sala de aula. Criamos a cultura de respeito pelo meio ambiente, de entendimento de onde vem nosso alimento. São crianças mais conscientes, que não vão estragar as plantas, não vão jogar lixo no chão.”

Um processo educacional que não se restringe aos alunos, mas que pode se expandir para toda a família. “Gostaria que os pais viessem mais”, admite o diretor. “Mas estamos fazendo esforços nesse sentido e o trabalho com as hortas é um caminho possível.” Mexer com a terra, ter esse contato direto com o ato de plantar e colher também serve para os estudantes aproveitarem melhor o tempo no CEPI. “Estamos falando de educação integral. Os meninos ficam aqui das 7h às 17h. Precisam ter atividades interessantes para fazer”, defende Werciley.

O trabalho com a horta virou disciplina eletiva no currículo do centro educacional. A produção está ainda no início e é necessário cuidado com pragas e outras ameaças às plantas, mas toda a produção, pequena ou maior, tem destino certo: a cozinha ali ao lado, onde a merenda dos alunos é preparada. “Para que qualquer coisa funcione, é preciso que haja adesão dos envolvidos”, afirma o diretor, que aponta professores e funcionários como agentes essenciais nesse processo. Parceria, aliás, é palavra-chave para compreender tais projetos.

A ONG participa de oficinas oferecidas pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), ligado à Federação da Agricultura de Goiás (FAEG), que ensina interessados a lidar com hortas. O grupo conta com o apoio da 15ª Promotoria do Meio Ambiente, do Ministério Público de Goiás, que ajuda a financiar as ações, como compra e distribuição de sementes e ferramentas. “A cidade ganha muito com isso”, ressalta Jordana Mendonça. “Vivemos um ritmo muito frenético, atropelando a natureza. Essa forma de reconexão é fundamental para a saúde de todos nós.”

Cultivo onde era mato
A Prefeitura de Goiânia mantém um serviço que auxilia quem deseja implementar uma horta comunitária. Cursos feitos pelo SENAR reúnem em algumas datas do ano pessoas interessadas em aprender os métodos para criar esses espaços de respiro natural em meio ao cotidiano da capital, quase sempre hostil a iniciativas dessa natureza. “Geralmente atendemos mais pessoas ligadas a escolas”, informa o engenheiro agrônomo Fernando Domingues, um dos instrutores dos cursos, definidos como agricultura urbana, que contemplam ainda hidroponia e árvores frutíferas.

A professora Denise Luzia de Carvalho, do Centro Educacional em Período Integral Chico Mendes, no Conjunto Riviera, é uma das beneficiadas do programa. “Eu já havia feito uma primeira experiência há um ano e foi um sucesso. Lidar com a horta virou disciplina eletiva. Agora, fiz o curso e o pessoal montou a horta para mim, dentro de todos os parâmetros, com seis canteiros.” Denise foi ao curso realizado no Paço Municipal pelo SENAR no início deste mês e saiu ainda mais preparada e animada com a iniciativa. “Isso integra os pais dos alunos também”, reforça.

Bióloga de formação, Denise lida com a educação pública há 15 anos e há um ano está em sala de aula em um CEPI. Logo que chegou, ela percebeu que havia um terreno ao lado da escola, que já havia sido de um centro de saúde, mas estava subaproveitado. Quando apresentou a ideia de fazer uma horta ali, conseguiu a adesão de seus alunos. “Tornou-se a disciplina eletiva mais popular. Tenho 4 turmas de 25 alunos cada”, comemora. “Também é bom para nós, professores, sairmos da sala de aula, fazer algo diferente.” O que for colhido é encaminhado para a merenda do colégio.

O cardápio fica mais variado com a ação, já que na horta do colégio, a professora Denise pretende manter uma produção constante de alface, couve, rúcula, espinafre, jiló e quiabo. “Batizamos esta disciplina de Cultivando Plantas e Sonhos. Eu me lembro do meu pai mexendo na terra. Sempre gostei disso, mas não tinha uma experiência para valer.” Ela já vem trabalhando com compostagem e sua expectativa em torno do projeto é grande. “Muitos alunos só comerão esses alimentos aqui. Tem aqueles que chegam e nunca comeram cenoura. Isso vai mudar.”

Vou de bike

Várias iniciativas promovem a implantação de hortas em colégios, aproveitando espaços vazios e incrementando o cardápio da merenda escolar
João Paulo Fonseca Peres, 32 anos, tem na bicicleta seu principal meio de transporte em Goiânia. Este geógrafo adora pedalar. E enquanto pedala, observa. Dessa curiosidade por questões mais específicas de sua área, ele passou a se fazer algumas perguntas sobre como é a vida do ciclista na cidade, que tipo de conforto ele tem, quais de suas necessidades são ou não atendidas, como este modelo de tráfego é encarado por aqui. De tudo isso nasceu um estudo, a dissertação de mestrado Ciclomobilidade: Uma Alternativa de Mobilidade Urbana em Goiânia, defendida este ano na UFG.

Essa reflexão, apoiada por estudos feitos aqui e em outras cidades, traz boas ideias sobre como poderíamos deixar nosso trânsito e transporte mais eficientes e menos penosos para todos, além de reforçar uma certa vocação natural da capital goiana para as bicicletas. Afinal, Goiânia é em sua maior parte plana e tem vias que, se aproveitadas mais racionalmente, poderiam ser desentupidas de tantos veículos motorizados. “A efetiva ciclomobilidade impacta na qualidade de vida de todos que vivem aqui. Hoje, apesar das iniciativas em curso, ainda temos uma infraestrutura incipiente.”

As soluções apontadas por João Paulo concentram-se na priorização da construção de uma rede de ciclovias e não apenas na instalação de pistas e faixas exclusivas para as bicicletas de forma isolada. “Temos que formar essa rede em toda a cidade, no chamado centro expandido, onde já existem iniciativas interessantes, mas também nos bairros periféricos. Uma alternativa é construir postos de bicicletas compartilhadas nas proximidades dos terminais de ônibus, para que as pessoas pudessem fazer a integração desses dois modais de transporte.”

O pesquisador critica duramente o fato de as ciclovias, mesmo as que já estão em funcionamento, como as que foram construídas nas avenidas Universitária e T-63, não estarem articuladas com outros trechos da mesma natureza. “Falta um esforço maior do poder público nesse sentido”, comenta. Ele também aponta como uma falha grave as ciclofaixas não serem abertas para o livre trânsito das bicicletas em todos os dias da semana. “Isso é muito ruim. Não se pode restringir essas estruturas. Essas ciclofaixas não devem ser liberadas apenas nos finais de semana.”

Essa política, segundo ele, acentua uma questão que é nociva para a criação de uma cultura de uso das bicicletas de forma mais cotidiana em Goiânia. “Muita gente até gosta de pedalar, mas faz isso como lazer e não como meio de transporte diário. Fechar o anel interno da Praça Cívica para essa prática é ótimo, mas não é suficiente. Isso só vai acontecer com a criação de redes, ampliação das ciclovias e suspensão das restrições às ciclofaixas.” Nesse sentido, ele inclui na discussão os programas de bicicletas compartilhadas que existem em Goiânia.

De acordo com dados do site Gyn de Bike – uma parceira da Prefeitura de Goiânia, Portal da Mobilidade Urbana e da empresa Serttel, com apoio da Unimed –, já foram registradas mais de 206 mil viagens nas bicicletas verdes do projeto, o que corresponde a 74 toneladas em créditos de carbono. Essa cifra corresponde à quantidade de carbono não emitida na atmosfera equivalente aos trajetos percorridos por bicicleta. “É um programa interessante, válido, mas não pode estar só nas regiões mais nobres. É preciso expandir para a periferia”, sugere João Paulo.

Outra providência que João Paulo enumera é a arborização das vias públicas. “Isso, aliado a ciclovias adequadas, estimularia as pessoas a utilizar as bicicletas. Em uma cidade quente como a nossa, as sombras das árvores são importantes para os ciclistas.” Ainda que não proibida pelo Código Brasileiro de Trânsito, a instalação de ciclofaixas no lado esquerdo da via não é aconselhada pelo pesquisador. “É uma faixa de velocidade maior. Seria melhor que todas estivessem no lado direito das ruas e avenidas.” Segundo ele, as providências são relativamente simples.

Pelo estudo que fez, João Paulo chegou à conclusão de que 1 km de construção de uma via específica para o transporte público, como o atual BRT, custa cerca de 5 milhões de reais. O mesmo trajeto para vias normais, como construção de avenidas, sai por cerca de 1,5 milhão. “As ciclovias são muito mais baratas. Cada quilômetro delas custa 300 mil reais para implantação. Mas o que vemos é o investimento pesado em obras que privilegiam o transporte motorizado individual, como trincheiras e viadutos. Isso não vai melhorar a qualidade de vida da cidade, do ar, do transporte.”

Dona Marilene, a ciclista
Quem vê Marilene Rodrigues Monteiro fazendo as unhas das clientes em um salão do Centro de Goiânia ou envolvida em suas faxinas em casas que ficam em diferentes bairros da capital talvez não imagine que esta cearense de 56 anos é uma ciclista de primeira. “Vou para todo lado de bicicleta. É mais rápido e prático. Não preciso ficar em ponto de ônibus esperando um tempão o coletivo passar. É bem mais fácil”, argumenta. Isso não é de hoje. Ela conta que desde a infância tem o costume de pedalar. “Minha família sempre andou de um lado para o outro de bicicleta.”

Marilene mora no Setor Marechal Rondon, mas costuma ir ao Goiânia 2 cuidar de suas diárias, ir a Campinas para rezar na Igreja Nossa Senhora Perpétuo Socorro, ir ao Centro trabalhar de manicure três vezes por semana. “Eu só não vou de bicicleta quando preciso ir no Jardim Goiás, na casa de outra cliente, porque aí acho longe. Até gostaria de comprar uma bicicleta elétrica para fazer isso.” Enquanto a nova condução não vem, ela “adoraria” poder percorrer Goiânia com mais tranquilidade. “Se houvesse mais ciclovias, seria ótimo”, opina.

Segundo Marilene, os motoristas da capital deveriam ser mais respeitosos com os ciclistas. “Eu até que não tive problemas sérios, graças a Deus, mas uma vez levei um grande susto. Um motoqueiro não respeitou o sinal vermelho e atravessou, batendo na minha bicicleta. Eu consegui pular antes e não me machuquei, mas a bicicleta caiu no chão e o motoqueiro não prestou ajuda”, reclama. “Dá até para saber se a pessoa é de fora dirigindo aqui. Quem é de fora é mais cuidadoso, respeita a sinalização. Os daqui param em cima da faixa, não param no sinal.”

O hábito adquirido em sua Crateús natal quando tinha apenas 9 anos de idade permaneceu por toda a vida. Marilene não sabe dirigir e não quer aprender. Ter um carro não é um desejo seu. “Andar de bicicleta é bom demais. A gente até faz exercício.” Morando em Goiânia há 20 anos, a manicure e diarista conhece diferentes regiões da cidade. Na maior parte delas, a bicicleta não tem vez. Mesmo com o risco constante – “os ônibus acham que são os donos da pista” –, ela não desiste de sua fiel companheira. “Mas se tivesse mais segurança para a gente, seria melhor, né.”

Conhecer os desejos da terra

Alto nível de impermeabilização do solo em regiões populosas, como a do Parque Flamboyant, gera transtorno e ameaça o meio ambiente, mas há medidas simples que podem amenizar o problema
Alguns dos cartões-postais de Goiânia são seus parques, ilhas verdes e com lagos no coração de vários bairros da capital que ajudam a deixar a paisagem urbana mais bonita e melhoram a qualidade de vida dos moradores, que assim contam com amplos espaços para fazer atividades ao ar livre. Até aí, tudo bem. Mas alguns processos de instalação dessas áreas geraram consequências no decorrer do tempo, acarretando ou agravando problemas que afetam até mesmo quem mora a certa distância desses pontos. Um deles está ligado à grande impermeabilização do solo.

Arquiteta e urbanista do Instituto Federal de Goiás – Campus Goiânia, Sueli Souza de Oliveira Soares vem estudando esses impactos em uma das áreas em que eles mais têm aparecido, a região do Parque Flamboyant. Em suas pesquisas, reunidas na dissertação de Mestrado intitulada O Processo de Densificação e Verticalização e Seus Impactos no Sistema de Drenagem de Águas Pluviais: Estudo de Caso do Jardim Goiás, em Goiânia, ela traça um diagnóstico dos principais problemas a serem enfrentados e aponta para algumas maneiras de fazer isso.

“Essa parte da cidade foi ocupada de uma forma muito rápida. A política de criar parques para revitalizar determinadas regiões não é ruim, mas é preciso encontrar um equilíbrio entre os interesses e as necessidades imobiliárias e o meio ambiente”, destaca. “Goiânia é uma cidade relativamente jovem, mas já apresenta problemas de cidades mais antigas e até maiores. Isso chama a atenção, assim como o ritmo acelerado de verticalização em determinadas áreas, como esta do Parque Flamboyant”, aponta a pesquisadora.

Em seu estudo, ela demonstra que a ocupação predial em torno do Parque Flamboyant, ocorrida nas últimas duas décadas, ocasionou uma grande taxa de impermeabilização do solo. “A maior parte dos edifícios, muitos construídos contiguamente, rebaixaram o lençol freático e impermeabilizaram o solo.” Um processo que superou o que é recomendado. “O parque foi criado como uma unidade de conservação e ele tem um plano de manejo, mas ele não foi cumprido a rigor. Sua implantação contou com estudos da Agência Ambiental, mas a fiscalização não foi muito eficiente.”

A pesquisadora salienta que unidades de conservação em áreas urbanas precisam observar normas específicas, como um recuo mínimo das construções em relação ao espaço preservado. “Antes, essa distância era de 500 metros. Depois foi reduzida para 100 metros. Mas no Parque Flamboyant, essa distância está longe da ideal. Além disso, recomenda-se uma zona de transição.” Dos parques mais densamente ocupados em seu entorno em Goiânia, o Flamboyant é o que mais os prédios se aproximam da área de preservação quando comparado ao Vaca Brava ou ao Areião, por exemplo.

Além de não contar com essa “zona de amortecimento”, boa parte das construções do local foi erguida antes da aprovação de uma lei municipal, a 9.511, de 2014, que trata mais especificamente do manejo do solo e das águas em Goiânia. Essa legislação buscou, por parâmetros técnicos, amenizar os danos causados pela excessiva impermeabilização do solo, definindo porcentagens mínimas do terreno que não devem ser cimentados. “Tem que ter 15% de permeabilidade em todos os lotes. Pode ser, por exemplo, 5% de grama e 15% de pavimentos permeáveis”, explica Sueli.

Outra novidade que a lei trouxe e à qual os empreendimentos tiveram que se adaptar foi a obrigação de implantar os poços de infiltração, que auxiliam no reabastecimento dos lençóis freáticos, encaminhando parte das águas da chuva diretamente para o subsolo. “Para cada 200 metros quadrados de terreno, essa caixa de recarga deve ter um metro cúbico de armazenamento”, informa a arquiteta. “Essa é uma solução bem interessante. Você constrói essa caixa no fundo do terreno e a água armazenada ali vai infiltrando aos poucos na terra, que é uma destinação correta.”

Segundo Sueli, ainda que o preço das obras possam aumentar com o acréscimo do poço de infiltração, vale o investimento. “Ele quase não demanda manutenção. Costumamos construí-lo com manilhas, fazendo preenchimento com brita nas laterais e no fundo.” Segundo a legislação municipal, os poços devem ter 2,6 metros de profundidade máxima e observar uma distância mínima de 1,5 m em relação ao lençol freático. “Nós temos bons mecanismos legais, mas eles precisam ser implementados e é necessário haver fiscalização efetiva”, comenta a pesquisadora.

Em seu estudo, Sueli mostra que as intervenções em prol de dar mais permeabilidade ao solo são simples e deveriam ser adotadas pelo poder público e pelos moradores. “Poderia haver mais substituição de áreas cimentadas ou pavimentadas por grama ou outra cobertura vegetal. Além de melhorar a infiltração da água, deixa o microclima mais agradável, diminuindo o calor, além de ser visualmente mais bonito”, opina. “A construção de poços e trincheiras de infiltração, algo que não é tão complicado, daria uma grande contribuição nesse sentido.”

Ela também sugere investimentos em obras de maior porte, como bacias de detenção, espécies de piscinas que impedissem que toda a água das chuvas chegasse aos córregos de uma vez só. “Isso reduziria a velocidade e o volume exagerado de água, evitando danos. Não há soluções isoladas. Elas são sempre conjuntas.” Uma delas passa por conscientização e convencimento da população a colaborar. “Já existe o mecanismo de desconto de IPTU, uma espécie de imposto verde, para quem adotar práticas sustentáveis. Ele precisa ser melhor regulamentado e divulgado.”


Os efeitos já são sentidos
Uma melhor gestão da permeabilização do solo e das águas pluviais significaria a prevenção de diversos problemas que se tornaram comuns em Goiânia. “Depois que a área do Parque Flamboyant foi tão densamente ocupada, com alto nível de impermeabilização do solo, as enchentes na bacia do Córrego Botafogo pioraram”, atesta a arquiteta e urbanista Sueli Souza. “A água não está infiltrando como deveria e ela chega ao córrego de forma muito veloz. Quando você fala em adensamento, não são apenas os prédios, mas toda a estrutura urbana que os acompanha.”

Ela se refere à pavimentação das ruas, à construção de calçadas e estacionamentos, às áreas de lazer que são cimentadas e ganham declives diversos. Com isso, o solo não absorve a parte da chuva que deveria e tudo vira uma grande enxurrada, visível ou subterrânea, via galerias pluviais. “Temos alagamentos naquele viaduto que dá acesso ao Shopping Flamboyant que são assustadores. E agora as enchentes na Marginal Botafogo. Toda a água dessa região vai para a marginal. Às vezes, a gente acha que choveu pouco para tamanho estrago, mas é que quase não há infiltração no solo.”

Em sua pesquisa no IFG, Sueli analisou, entre outros pontos, o Córrego Sumidouro, que nasce exatamente onde hoje está o lago maior do Parque Flamboyant. “Em épocas de chuvas, nós identificamos três pontos de nascente do córrego. Mas quando chega a seca, ele praticamente some. Isso é sinal de que o lençol freático da região está comprometido.” Para a construção do parque, esse curso d´água foi canalizado, voltando às suas características originais mais abaixo, na área que antes era conhecida como Vila Lobó, já próximo de cair no Córrego Botafogo.

“Interessante é que naquela área, ele se parece com um córrego novamente. Mesmo com construções mais próximas das margens do que deveriam estar, lá há mata ciliar, o que preserva mais o curso d´água”, avalia Sueli. Ela enfatiza que o tratamento a este e outros pequenos córregos que cortam a cidade, assim como os outros pontos que digam respeito ao manejo de solo e águas, deve ter em perspectiva o Plano Diretor da cidade. “Ele é muito importante para nortear as ações, tomar as medidas necessárias para prever e resolver problemas.”

Em seu mestrado defendido no IFG, Sueli faz um grande apanhado sobre os diferentes planos diretores que já foram implementados em Goiânia. Ela fala do plano original, vigente entre os anos de 1933 e 1938, assim como do Plano Luis Saia (do final dos anos 1950 e início dos anos 1960), do Plano Jorge Wilheim (do final dos anos 1960) e dos planos diretores de 1992 e de 2007, que agora passa por novas modificações. “São oportunidades de pensar a cidade e suas mudanças. Uma política para tratar das águas pluviais e da permeabilização do solo é essencial.”

Um ótimo negócio

Projeto que promove a troca de resíduos sólidos recicláveis por sacolões de alimentos já tirou das ruas de Goiânia mais de 22 toneladas de lixo que estariam espalhadas por aí
 Lixo no quintal, quem tem? E o óleo de cozinha, sabe o que fazer com ele? E há entulho no lote próximo de sua casa? Você tem um vizinho que gosta de jogar as tranqueiras em qualquer lugar? Além de chamar a atenção desse pessoal folgado, há outra forma de proteger o meio ambiente do que produzimos e descartamos. Professora do Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) do Setor Perim, Nilva Ferreira Ribeiro percebeu isso e passou a intermediar a solução para dar finalidade a esses resíduos sólidos que, geralmente, são largados em qualquer lugar.

Seu trabalho tem a vantagem adicional de evitar a contaminação do solo e de fontes de água, contribuindo, ao mesmo tempo, com a boa alimentação de centenas de pessoas. Fundadora e presidente da Associação Ambiental Pela Vida e Sustentabilidade, ela criou há quatro anos o projeto Sacolão Sustentável, que promove a troca de lixo reciclável e sobras de óleo por alimentos e mudas de árvores. “As pessoas trazem o lixo, que levamos para fábricas de reciclagem. Em troca, recebem legumes, verduras e também mudas de plantas para a conscientização”, explica.

Esse trabalho, levado adiante por meio do trabalho de voluntários e parceiros, apresenta resultados impressionantes. Todo mês, em geral em escolas – mas também, às vezes, em praças públicas –, o grupo comandado por Nilva promove o encontro entre a fome de ajudar a preservar o meio ambiente a vontade de comer de quem busca uma melhor alimentação. “A cada vez, nós recolhemos de 600 a 800 toneladas de material reciclável. Ao todo, já retiramos cerca de 22 toneladas de lixo do meio ambiente”, comemora esta mulher que tem uma carretinha para transportar os materiais.

Trabalhando com as comunidades do entorno dos colégios que atende e também com empresários do ramo atacadista, ela tem conseguido implementar a ideia com a ajuda de 12 voluntários. “Também temos ajuda de um parceiro da Ceasa. Vamos lá, compramos um pouco do alimento que será distribuído e ele doa uma outra parte. Já as mudas de plantas, ganhamos de viveiros. A AMMA [Agência Municipal do Meio Ambiente] também cede algumas delas. Nos mutirões da Prefeitura, estamos sempre presentes levando conscientização para as pessoas”, informa.

A sede da organização fica no Setor Crimeia Leste e a partir dali eles fizeram conexões com comunidades e grandes produtores de material reciclável da cidade. “Acho que todos deveriam ter essa preocupação. Sei que diante da quantidade de lixo que é produzido, o efeito de nosso trabalho parece mínimo, mas se todos fizessem algo assim, seria um impacto muito grande.” Nilva não faz isso de agora. “Desenvolvo trabalho voluntário há 42 anos, distribuindo roupas e comida. No caso do Sacolão Sustentável, tenho a ajuda de um filho e de uma irmã.”

Sua trajetória pessoal demonstra essa vocação. Durante muitos anos, ela foi professora de Direito da Criança e do Adolescente na Educação à Distância da Universidade Estadual de Goiás (UEG). Ela também ajudou a definir as diretrizes para os cursos de formação da Força Nacional de Segurança e atuou ainda nos cursos preparatórios de agentes penitenciários. Com essa experiência, tornou-se docente em cursos de formação de professores e atuou como voluntária no Juizado da Infância e Juventude. Ficar parada, portanto, não é com ela.

Nascida em Trindade, ela mora em Goiânia há 30 anos. Entre as duas cidades está localizado o Aterro Sanitário de Goiânia, uma montanha de rejeitos onde também são desenvolvidas pesquisas para melhor aproveitamento de gases e do líquido que os dejetos produzem, chamado de chorume. Cada habitante de Goiânia já produz cerca de 30 kg de lixo por ano, em média. O lixo domiciliar tem aumentado exponencialmente nos últimos anos. Por mês, apenas os dejetos produzidos nas residências somam 42 mil toneladas de descarte. Essa quantidade poderia ser menor.

“Falta uma melhor coleta seletiva. Nosso trabalho tenta melhorar um pouco esse quadro”, diz Nilva. “Por isso é importante haver as orientações sobre o que fazer com o lixo doméstico. Essas informações evitam muitos problemas, como pragas no quintal, disseminação de doenças. Ao saber o que fazer com o lixo as pessoas estão cuidando também da própria saúde, não só do meio ambiente”, reforça. Nesse esforço, o grupo passa vídeos de educação ambiental para os alunos das escolas que atendem e agora preparam uma cartilha educativa sobre o assunto.

Conscientização lúdica
Outra frente da associação liderada por Nilva é o estímulo para que as crianças introjetem as informações sobre meio ambiente e reciclagem de maneira lúdica. “Nós fazemos com que elas desenhem a natureza como elas a enxergam. Quem participa, ganha um pirulito e ao ganharem, orientamos o que ela deve fazer com o papel e com o palito.” Bazares são promovidos e as famílias dos alunos são convidados a participar das atividades. Na unidade em que trabalha, que atende crianças bem novas, Nilva faz questão de iniciar esse processo de conscientização.

Goiânia conta com um programa de coleta seletiva desde 2008. Segundo dados da Comurg, mais de 500 bairros da capital são contemplados com o serviço, que tem duas modalidades básicas. Uma delas é o recolhimento de porta em porta, com a instrução de que os moradores só deixem o material a ser coletado no dia específico da semana em que o caminhão passa. O veículo tem uma sirene específica para que as pessoas o diferenciem dos demais. Outra possibilidade é deixar o material nos pontos de entrega voluntária, onde devem ser depositadas também baterias e pilhas.

Os materiais recicláveis devem ser separados pelos moradores em quatro tipos: papel, vidro, metal e plástico. Isso facilita na hora da separação dos produtos e encaminhamento para a reciclagem. A Prefeitura disponibiliza em seu site os dias que cada setor da capital recebe a visita da coleta seletiva. Várias empresas e cooperativas atuam no ramo em Goiânia atualmente e há projetos sociais que também oferecem o serviço, incluindo os catadores de papel nesse processo, gerando alguma renda para esses trabalhadores.

Nós levamos para você

Aplicativo criado por estudantes propõe serviço compartilhado de entrega de encomendas, o que pode aliviar um pouco o trânsito caótico da capital
Tudo nasceu de um trabalho do curso de Engenharia de Controle e Automação do campus Goiânia do Instituto Federal de Goiás. O estudante Vinícius dos Reis Costa, 22 anos, ao lado dos colegas Danilo Bonfim, Marcos Vinícius Bertoldo e Lucas Rodrigues foram estimulados a criar algo que pudesse facilitar a vida das pessoas e deixar alguns ramos da economia mais ágeis e eficientes. E assim nasceu o We Bring, um aplicativo de entregas pensado para melhorar a logística de distribuição de produtos e encomendas e atendimento a clientes pela cidade.

“A ideia nasceu dentro de uma célula empreendedora, um mecanismo que temos dentro do curso”, explica Vinícius. “Nela, temos a chance de empreender apresentando uma proposta para um problema específico. No nosso caso, o problema era de logística.” A questão surgiu quando, na greve dos caminhoneiros de 2018, os rapazes perceberam que quase tudo parou dada a dependência que a economia tem em relação à categoria. “Pensamos em algo que pudesse ser uma alternativa não só em momentos assim, mas no cotidiano mesmo.”

Eles criaram um aplicativo baseado em rotas compartilhadas que poderia ser usado não apenas por quem é do ramo do transporte. “Muitas vezes, as pessoas estão indo para determinado lugar para fazer uma entrega, mas seu veículo tem espaço. Com a ferramenta, seria possível saber se haveria mais alguém precisando levar uma encomenda para a mesma região.” O aplicativo participou de uma seleção nacional de trabalhos de estudantes de institutos federais, mas não ganhou. “Nosso aplicativo é mais comercial e eles queriam um que tivesse um lado mais social”, diz Vinícius.

O quarto lugar em uma disputa nacional animou os amigos, que agora tentam viabilizar financeiramente a ideia. “O aplicativo pode ser muito útil, por exemplo, para regiões onde o trânsito é mais complicado, como a da Rua 44, em que há um comércio muito intenso e é difícil fazer entregas. Se esse serviço for compartilhado, existe a possibilidade de o trânsito ali até ficar um pouco melhor, além de haver economia do tempo na cadeia logística. O serviço fica mais rápido, barato e o tempo de espera do cliente também vai diminuir”, argumenta o estudante.

Nos cálculos do grupo, essa economia de tempo seria da ordem de 20%. “A economia financeira também seria grande. Motoboys e motoristas de aplicativos de transporte também poderiam ser incluídos”, observa Vinícius. Segundo ele, que tem uma loja na própria região da Rua 44, muitas vendas hoje são realizadas por meios digitais e redes sociais. Com o aplicativo, uma entrega na casa do cliente poderia ser mais vantajosa para os empresários do comércio, atendendo a urgência dos clientes. Outra possibilidade é usar a ferramenta para entrega em outras cidades.

Entre os possíveis clientes que Vinícius vislumbra estão os comerciantes de peças agrícolas, que precisam levar seus produtos para fora de Goiânia. “São entregas pesadas que, se compartilhadas com outros vendedores e compradores, poderiam gerar economia e diminuir o trânsito de tantos caminhões dentro da cidade. Isso sem contar que muitas vezes essa entrega precisa ser rápida, já que a falta de uma peça assim costuma parar a produção.” Na opinião do inventor do aplicativo, o recurso poderia significar um complemento de renda para quem se cadastrar.

O We Bring é apenas um exemplo de aplicativos que, neste mundo novo em que vivemos, transformam a vida cotidiana, sobretudo de quem mora em grandes cidades. Neste ano, um projeto de regulamentação de aplicativos de transporte de passageiros em Goiânia gerou debates na Prefeitura de Goiânia e na Câmara de Vereadores da cidade. Essa discussão já vem de algum tempo, com direito a hostilidades entre taxistas e motoristas de aplicativo, e em 2017 um decreto do prefeito Iris Rezende sobre o tema chegou a ser publicado.

Normas específicas para a atividade, como a obrigatoriedade de fazer um curso preparatório e a colocação de adesivos que permitam a identificação dos motoristas cadastrados, além da necessidade de apresentação de certidões criminais negativas e o pagamento de impostos municipais, foram propostas, mas ainda não ganharam regulamentação e não estão em vigor. Goiânia, em seus 86 anos de existência, se vê diante dos novos desafios do mundo do trabalho e dos impactos que eles geram na vida de seus habitantes.

Sombras abençoadas

ONGs dedicam-se a plantar árvores em praças e avenidas de Goiânia, ação que traz diversos benefícios para a cidade, da recuperação do lençol freático à melhoria da umidade do ar 
Na maior parte do tempo, o goianiense busca uma sombra desesperadamente para se proteger do sol forte que faz por aqui. E ano a ano, a impressão que temos – e muitas pesquisas confirmam – é de estarmos expostos a temperaturas cada vez mais altas. Ter mais árvores à disposição, portanto, é uma das melhores alternativas para conseguir alívio para esse nosso forno cotidiano. Pensando assim, a ARCA (Associação para Recuperação e Conservação do Ambiente) tem, há cinco anos, se dedicado a espalhar árvores por Goiânia, em espaços públicos ou de convivência coletiva.

“Nós fazemos esse trabalho com voluntários”, diz Gerson de Souza Arrais Neto, presidente da ONG, que tem mais de 40 anos de existência, sempre engajada em ações ambientais. Eles mantêm um viveiro no bairro Moinho dos Ventos, em Aparecida de Goiânia, onde são cultivadas as mudas que serão plantadas em várias partes da cidade em regime de mutirão. “Nós já plantamos em diversos lugares durante este tempo, como na parte de trás do ginásio do Jardim América, em frente ao SESC Faiçalville, em colégios e praças, como na Vila Canãa”, relata Gerson.

Uma das prioridades do projeto, que conta com a parceria com o Movimento Nós + Árvores, comandado pela bióloga Nathalia Machado, é levar este plantio para as regiões mais periféricas da Grande Goiânia. “Lá, a necessidade é ainda maior. As praças geralmente não são bem urbanizadas e as avenidas precisam de árvores”, aponta Gerson. Ações conjuntas têm conseguido apoio de parte da sociedade, mas a avaliação é que ainda há muito o que fazer. “Nosso objetivo é fazer uma grande mobilização para plantar 1.500 árvores num só dia. Precisaríamos de 50 equipes para isso.”

Esse trabalho é mais minucioso porque as árvores plantadas pelo grupo são previamente preparadas para que possam ter mais chances de sobreviver e crescer. “Nós fazemos os ‘berços de vida’. Preparamos a cova e a adubamos. Quando plantamos a muda, também semeamos plantas ao redor que vão criar uma competição saudável que ajuda a estabilizar o local. São leguminosas, como feijão, mamonas. Colocamos palha e isso evita que nasçam gramíneas. Essas plantas, por terem ciclos de vida breves, morrem e adubam a árvore, além de manterem vivos micro-organismos ali.”

Segundo Gerson, essa técnica aumenta em até 60% as chances de a muda “pegar”. Um cuidado associado é saber qual tipo de árvore deve ser plantada nos locais adequados. “Há espécies mais apropriadas para as calçadas por não crescerem mais de 2 metros, evitando atingir a fiação pública. Outras, que têm raízes mais superficiais, como os flamboyants, que é uma espécie exógena do Cerrado, não são recomendadas para serem plantadas em vias públicas e sim em praças, já que elas podem danificar as calçadas e o asfalto das ruas”, ensina.

Uma das preocupações dos voluntários é repor os espaços que ficaram vazios por conta de retirada de árvores com espécies típicas da região. “Na área em que está Goiânia, temos um bioma com árvores de maior porte, de Mata de Cerrado, que não é aquele de árvores pequenas e retorcidas. Tanto é assim que o Jardim Botânico e o Parque Ecológico têm essas árvores maiores.” Há ainda a atenção em variar as espécies. “Tivemos um problema com essa falta de variedade no tempo da mungubas. Se uma doença der em uma das árvores, a chance de dar em todas as outras é grande.”

Atualmente, a ONG tem em cultivo mais de 10 mil mudas, sendo que 25% delas já estão prontas para o plantio imediato. São pés de ipê caraíba, urucum, bálsamo, quaresmeira, cega-machado, guapuruvu, cravo da índia, pau ferro, ipê roxo, jacarandá. “As escolas também costumam pedir o plantio de árvores frutíferas”, revela Gerson. Mangueiras e pés de fruta-pão costumam ser levados para esses lugares. “Nós queremos que as árvores fiquem mais próximas das pessoas, que elas entendam a importância que têm para a sustentação de todo o ecossitema em que estamos.”

Segundo o presidente da ARCA, há uma espécie de resistência em relação às árvores por incômodos pontuais que elas podem causar. “Reclamam que elas estragam calçamento, que sujam com suas folhas, que podem cair durante as tempestades. Mas os benefícios são muito maiores. Elas regulam o clima da cidade, melhoram o regime de chuvas, absorvem os grandes volumes de água evitando enchentes, deixam a umidade do ar melhor, auxiliam na recomposição do lençol freático”, enumera. Além disso trazem pássaros, dão frutos e – dádiva em Goiânia – também fornecem sombra.


Uma capital arborizada

A prioridade que as ações de arborização têm dado a praças de bairros mais distantes em Goiânia e a escolas faz sentido, uma vez que as zonas mais centrais da capital têm um nível elogiável nesse sentido. Nas duas últimas décadas, pesquisas realizadas a respeito, como a feita pelo IBGE em 2010, colocaram Goiânia entre os centros urbanos com mais árvores do País. Mas se temos bosques, parques e avenidas bem servidas de sombras, há outras regiões que carecem do benefício. São nas praças e avenidas com poucas árvores, assim como fundos de vale, que as iniciativas se concentram.

A cidade ganhou em 2008 um Plano Diretor de Arborização Urbana. O documento, produzido pela Agência Municipal do Meio Ambiente (AMMA), traz diretrizes para a criação de unidades ambientais, instruções sobre como plantar e manter uma muda, orientações acerca de espécies a serem cultivadas e informações sobre legislações que definem limites e parâmetros para a área. Segundo o plano, os dados “visam uma arborização planejada e adequada para as vias públicas, de forma que essa arborização traga benefícios diretos no meio ambiente.”

O documento salienta que qualquer retirada de árvore precisa de prévia autorização, em vias públicas ou em propriedades privadas, já que as árvores são consideradas, legalmente, “bens de interesse comum do Município”. Mesmo a poda em áreas de vias públicas só pode ser feita por funcionários da Prefeitura. Novos loteamentos também necessitam de um projeto de arborização para ser aprovados. Goiânia mantém um programa de distribuição de mudas para a população, chamado Plante a Vida, que funciona desde 2005 e já ofereceu mais de 1 milhão de mudas.

Expediente

Edição Multiplataforma
Silvana Bittencout, Fabrício Cardoso, Rodrigo Alves e Michel Victor Queiroz

Reportagem
Rogério Borges

Fotos, Vídeo e Edição
Fábio Lima, André Costa, Diomício Gomes e Wildes Barbosa.


Design
Marco Aurélio Soares

Arte
André Rodrigues
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