Goiânia 88 anos

Vem olhar esta cidade

Reportagem

Rogério Borges


O prédio na frente do qual você passa todos os dias rumo ao trabalho, mas nem liga.. A praça perto de sua casa, mas à qual você nunca tem tempo de ir. A avenida que você trafega no caminho diário para deixar um filho na escola, mas que jamais chama sua atenção a não ser pelo trânsito pesado e irritante. No cotidiano da cidade, vivemos, corremos, tentamos chegar na hora aos compromissos, mas poucas vezes apreciamos o lugar onde moramos, onde estamos. Goiânia cresce – tem mais de 1,5 milhão de habitantes – e fica a cada dia mais apressada, menos afetiva, mais fria, menos contemplativa.

 

O POPULAR convida você, leitor, a inverter um pouco essa lógica neste material especial para celebrar os 88 anos de Goiânia. Esta jovem senhora já tem uma história vasta para contar e viu nascer ou recebeu muitas gerações que desenvolveram sentimentos variados com a capital fundada em 24 de outubro de 1933. Convidamos, então, os jovens para expressar esses laços com a cidade em que sonham, estudam, trabalham e sobre a qual lançam olhares diferenciados, alguns deles poéticos e artísticos, outros mais práticos, mas todos profundos, fazendo dos espaços públicos também as bases de suas memórias pessoais.

 

Neste caderno especial, vamos conhecer cinco jovens, todos na casa dos 20 ou 30 anos de idade, que vislumbraram uma Goiânia mais bonita, sem com isso ignorar os problemas que a metrópole apresenta. Mas por meio de aquarelas, de intervenções artísticas, da fotografia sensível, essas pessoas revelam ângulos menos conhecidos da capital, mesmo de monumentos, edifícios, bairros, praças e parques tão familiares. As imagens que captam e recriam, porém, ressignificam esses espaços, divulgando-os com outras concepções em redes sociais e popularizando sua história e seu real valor. Tributos às belezas ocultas.

 

Em outra reportagem, estudantes da Universidade Federal de Goiás e da Pontifícia Universidade Católica de Goiás vão revelar o que pensam da cidade, quais são seus locais preferidos, os sentimentos que nutrem pelo lugar em que nasceram ou para o qual vieram em busca de estudo, de projetos e sonhos a realizar, de mudanças e perspectivas de vida. Por meio de um questionário aplicado em oito turmas, alunas e alunos expuseram opiniões, elogios e críticas em relação a Goiânia, fornecendo recortes vivos e interessantes sobre o que tantos jovens acreditam ser preciso manter ou mudar em prol da cidade.

 

Todas essas leituras e releituras de Goiânia ajudam a fornecer imagens menos engessadas da cidade, a demonstrar que a capital goiana é surpreendente e que seus patrimônios merecem mais atenção do que têm recebido. Ao mesmo tempo, revigoram a certeza de que cada indivíduo estabelece e desenvolve visões criativas, afetivas, memórias valiosas sobre seu entorno. Isso pode ser compartilhado com muitas outras pessoas, conhecidas ou não. Todos, porém, deveriam entender que a cidade precisa ser cuidada coletivamente, mas com olhares mais abertos e criativos, oferecendo um lugar melhor para se viver, sonhar e criar.

Belezas redescobertas

Jovens utilizam seus talentos para revelar uma capital que muitas vezes não enxergamos, mas que está lá, escondida pela pressa do cotidiano, por letreiros, pelo barulho do trânsito ou pela ausência de valorização e cuidado do poder público. Em trabalhos nas artes e na fotografia, com visões cidadãs e sensíveis sobre onde vivemos, essas pessoas percorrem ruas, visitam monumentos, vão a parques e praças lançando novos olhares sobre tais espaços e, via redes sociais, têm mostrado uma cidade surpreendente e cheia de vida. Conheça quatro desses redescobridores de Goiânia e o que fazem em prol da capital


Goiânia em aquarelas

No seu Instagram e em exposições, a arquiteta e artista plástica Ana Carolina Borges,

 leva para as telas paisagens conhecidas da cidade

Bater perna pelo Centro de Goiânia é uma das atividades que a arquiteta e artista plástica Ana Carolina Borges, 34 anos, mais gosta de fazer. “Como eu estou bem no miolo do Centro, e aqui tudo é pertinho, eu ando muito. Eu procuro ir de manhã, quando está mais fresquinho, mais tranquilo quanto ao trânsito”, explica. “Faço tudo a pé, não necessito de carro. Dirigir, para mim, é até perigoso, porque fico olhando tudo, mas criticamente.” Essa curiosidade incessante fez com que ela passasse a registrar o que via em uma linguagem especial. Ana pinta a cidade em aquarelas, que começam a ser vistas pelo público.

 

No seu Instagram e em exposições, Ana leva paisagens conhecidas de Goiânia para as telas. “Eu sempre acompanhei essa questão mais artística e isso despertou em mim esse interesse. Antes da faculdade eu já havia feito cursos de desenho, de pintura, para poder aprimorar o estudo sobre a arte, e na faculdade, a gente aperfeiçoa isso”, conta. “Uma das matérias optativas que peguei no curso de Arquitetura da PUC Goiás foi aquarela e isso me despertou uma paixão.” Filha de uma professora também de Arquitetura e de um fotógrafo experiente, ela uniu suas novas habilidades com seu histórico familiar.

 

“Meu pai sempre me ensinou muito sobre ângulo, sobre enquadramento, sobre imagem e eu usei muito isso na faculdade, nos trabalhos. No ano passado, tive a oportunidade de participar de um projeto da Lei Aldir Blanc e minha mãe me sugeriu que eu entrasse com um projeto”, diz. “A arte sensibiliza mais. Ela e a cultura. É uma forma de a gente aprender a encarar as coisas de formas diferentes, a ter o coração mais mole, a ter uma sensibilidade mais aflorada, desperta olhares que você mesmo não imaginava que teria”, argumenta. Essa sensibilidade se expressa em prol da defesa do patrimônio, seu tema predileto.

 

“A gente aprende a conhecer nosso patrimônio, nossa história mais a fundo, a história de Goiânia, de Goiás. A partir do momento que peguei matérias no meu curso para fazer levantamento para trabalhos de campo, passei a ver as problemáticas de nosso bairro (o Centro), que tem uma história tão bonita, com sua origem. Isso levantou em mim a vontade de lutar a favor da preservação de nosso patrimônio”, justifica. Ela sabe que são riquezas cada vez mais sob risco. “O Centro está ficando abandonado. Muitos imóveis para alugar, letreiros tapando fachadas lindas, prédios sendo demolidos para estacionamentos.”

 

Ela acredita que sua arte tem o potencial de despertar mais consciência. “Eu acho que falta um pouco de interesse por parte do poder público em oferecer uma política de educação patrimonial, ambiental”, critica. “O descaso que a gente vê é grande e isso desanima um pouco, mas há belezas, como essas propostas dos últimos anos de colorir a cidade com painéis, pinturas”, elogia. “Isso poderia ser expandido em várias escolas, ser utilizado em propagandas na TV, de forma que chegue à população de qualquer classe social. Isso é importante para todos nós. É a nossa casa e se a gente não cuidar, ela vai se acabando.”

 

Portadora de uma doença autoimune, que a fez ficar mais reclusa na pandemia e a obriga a tomar uma medicação específica, Ana assegura que essa experiência lhe deu outras perspectivas para contemplar o mundo à sua volta. “A gente aprende a reavaliar o que é o belo. Tem muita coisa por trás que pode ser considerada bela. O importante é você estar disposto a capturar essas paisagens, esses detalhes que são únicos.” Ela vai aos lugares que quer pintar em horários específicos para aproveitar determinada luz, busca ângulos diferentes e cria suas aquarelas. “Tenho ansiedade de ver no papel, pronto”, confessa.


Foto: Fábio Lima/O POPULAR

A magia dos detalhes

Ainda na faculdade, a jovem Luísa Alves tomou para si a missão de ser

uma intérprete da cidade sob o olhar da arte e hoje difunde as belezas arquitetônicas locais 

 O Edifício Parthenon Center, no Centro da cidade, é um dos prédios mais conhecidos de Goiânia, dono de muitas histórias acumuladas há décadas. E ao receber a missão de pintar a construção, encomenda de uma família que tem sua trajetória ligada ao lugar, a arquiteta, urbanista e artista plástica Luísa Alves Santana acertou em cheio em um detalhe. “Quando eu entreguei para essa pessoa que havia encomendado o trabalho e que eu não conhecia, ela falou: ‘Nossa, você desenhou a janela onde meu pai trabalhava’.” É assim que a jovem de 23 anos de idade vai movimentando afetos espalhados pela cidade por meio de sua arte.

 

Formada na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), Luísa, que é de Minaçu, no norte do Estado, veio para Goiânia fazer sua graduação em Arquitetura e Urbanismo e acabou descobrindo durante o curso uma nova paixão. “Surgiu a oportunidade de desenhar em uma matéria da faculdade. Para ilustrar um artigo científico que eu tinha que fazer sobre art déco, eu poderia representar esse estilo por meio da aquarela, uma outra disciplina optativa da faculdade que eu estava pegando com o professor Fernando Simon, especialista na técnica”, relata. 

 

“Como eu estava pegando as duas matérias, achei que seria legal unir uma coisa com a outra. E eu apresentei meu primeiro desenho, do Teatro Goiânia, porque eu moro quase ao lado dele, a um outro professor, Gustavo Neiva, que trabalha a questão do art déco. Ele se encantou. Ao invés de ser um artigo científico escrito, ele propôs que o trabalho fosse um caderno de ilustrações. Daí surgiu a coleção”, descreve. Ela divulgou essa série de desenhos no seu perfil no Instagram e abriu um nova frente de atuação, recebendo pedidos para pintar prédios históricos da cidade, espaços públicos ou mesmo casas particulares.

 

“À medida que fui desenhando, fui entendendo a importância de cada detalhe, de retratar cada característica do que as pessoas encomendam”, afirma. “Tem sempre algo de uma memória muito específica e nisso eu tenho me envolvido bastante. Eu sempre tento guiar as pessoas que encomendam comigo sobre essas questões. Pode ser uma igreja onde se casou. É muito bacana isso. Quando eu vou fazer, sempre gosto de perguntar qual a importância da obra para a pessoa. Porque enquanto vou desenhando, vou lendo a história daquele lugar. Eu acho que consigo entrar naquela história em cada traço que está ali.”

 

Isso acabou fazendo de Luísa uma intérprete de Goiânia sob o olhar da arte. “Eu acredito que essa leitura da cidade venha como uma forma de conscientização dessa beleza, não só para outras pessoas, mas para mim também. À medida que ia fazendo os desenhos, eu ia aprendendo”, admite. “Uma das minhas indagações era por que esses edifícios eram tão diferentes e por que eu só vim aprender isso na faculdade. Fiquei me perguntando por que eu conhecia o Empire State, que também é em art déco e fica em um lugar onde eu nunca fui, e não conhecia isso na minha própria cidade, onde eu estava morando.”

 

Ela sabe que essa realidade é a da maioria dos moradores de Goiânia, que não conhecem como deveriam a própria cidade e suas histórias e por isso acredita que pode contribuir para atenuar esse quadro. “De início, eu fazia as telas para mim, para esse trabalho na faculdade, mas depois fui fazendo encomendas para outras pessoas para que todo mundo pudesse ter a oportunidade de ter a arquitetura local dentro de suas casas.Eu iniciei com os quadros, depois com chaveiros, camisetas, como se você pudesse vestir a sua cidade.” Sua ideia é fazer as pinturas ilustrarem canecas, bottons, serem expostas e virarem livro.

 

“Tenho a intenção de ampliar, seja na técnica, quanto através da representação”, anuncia. “Nas técnicas, buscar outras formas de representação. Tentar a abstração Hoje eu faço tão detalhado, mas tenho a intenção de representar com mais abstração mais à frente. Da mesma forma como foi Le Corbusier, que desenhava de forma realista e depois abstraía totalmente as formas”, exemplifica, citando o famoso arquiteto. “É olhar para o mundo e descobrir qual é o seu lugar nele, o local mais importante para você. De uma memória afetiva coletiva até a casa de sua avó, onde você cresceu, e que gostaria de lembrar.”


Andanças pela cidade

Projeto das irmãs Carla e Paula Falcão busca desenvolver sentimento de pertencimento entre os goianienses

Já são quase 40 mil seguidores no Instagram, Twitter e Facebook, além dos mais de 2 mil inscritos no canal no YouTube. Uma rede de engajamentos que fez de um projeto iniciado em 2014 um verdadeiro sucesso no ambiente digital tendo como mote o que Goiânia tem, mas que nem todo mundo vê. “Fiz um curso online de jornalismo mobile, de criação de conteúdo com telefone celular”, conta a jornalista Paula Falcão, 32 anos, idealizadora do Aproveite a Cidade, projeto multimídia que revela outros ângulos de Goiânia a milhares de pessoas. Tudo começou naquele curso e numa espécie de sequestro, digamos assim.

 

“Acabei desenvolvendo um projeto final em audiovisual e neste mesmo tempo comecei a explorar um pouco mais a cidade. Pensei: por que não compartilhar isso com as pessoas? Para executar isso, não ia conseguir filmar sozinha. Virei pra minha irmã e disse: ‘Carla, vamos ali fazer um vídeo. Vamos ali conhecer um lugar chamado Bosque dos Pássaros’. Ela ficou bem assustada”, diverte-se. “Eu me perguntava: ‘pra onde minha irmã está me levando?’ Fiquei meio assustada, mas confiei. A Paula devia saber o que estava fazendo”, descreve Carla Falcão, 24 anos, que hoje responde pelas fotografias do projeto.

 

Formada em Engenharia e trabalhando no ramo de restauro de patrimônio, Carla tem uma forma muito particular de angular o que vai fotografar. Nos quase 1.800 posts publicados no Instagram, esse olhar especial é evidente. Mesmo prédios e paisagens conhecidas ganham novos contornos por sua lente. Destaque para os detalhes, como nas fotos em que foca as janelas do Liceu de Goiânia, os ladrilhos do Grande Hotel ou as escadarias do Palácio do Comércio, todos no Centro da capital. “É um gosto antigo. Buscar o detalhe, para mim, é natural. Tudo é voltado para prédios históricos, cultura, valorização do patrimônio”, define.

 

O projeto conta ainda, como colaborador, com o jornalista Carlos Freitas, de 33 anos. Ele e Paula cuidam prioritariamente dos conteúdos jornalísticos, fornecendo informações sobre os locais contemplados e visitados. “A imagem é muito importante porque estamos no mundo imagético. Isso tem que funcionar, tem que chamar a atenção, despertar a curiosidade. E tem a questão do viver os lugares. Rolando o feed do nosso Instagram, temos um grande passeio pela cidade. Eu estou lhe apresentando Goiânia, mas também estou nela”, afirma Paula. “Minha relação com Goiânia foi mudando nesse processo de descoberta.”

 

Esse é o principal objetivo do Aproveite a Cidade: mobilizar. “Querer conhecer a cidade é um processo muito interno. Quanto mais pessoas se interessarem, esses passeios, essa conexão com a cultura que propomos vão ficando melhores. É uma mobilização da comunidade. Quanto mais gente interessada em determinado assunto, mais o poder público será cobrado, mais a iniciativa privada vai se inserir”, argumenta Paula. “Quando a gente gosta de um lugar, fica mais fácil querer que ele melhore, que a gente faça algo por ele. Estamos sempre buscando que as pessoas gostem do lugar onde elas moram ou visitam.”

 

Segundo as irmãs Paula e Carla, a intenção é fazer com que os moradores busquem andar mais pela cidade, como geralmente as pessoas fazem quando estão visitando outros locais. “As pessoas vivem em Goiânia e há muitos lugares que elas não conhecem, assim como a gente. Havia um processo de identificação muito forte na nossa trajetória de criação. As pessoas se identificam e dizem: ‘nossa, eu vivo aqui, como é que eu não conhecia esse lugar?’ Esse é um sentimento muito recorrente no Aproveite a Cidade”, revela Paula. “Tem uma questão do pertencimento, da praça que eu frequento.”

 

Com linguagem acessível, divertida, o Aproveite a Cidade traz conteúdos menos óbvios. “Fizemos uma lista de 10 lugares para chorar em Goiânia. Era um conteúdo de humor, mas eu compreendi que era uma linguagem que nosso público entendia como humor, uma piada. Foi bem acessado”, diz Paula. “Agora com a pandemia, vejo uma sede muito grande das pessoas por conhecer melhor a cidade. Isso, para nós, se reflete em engajamento. A gente vê pessoas mais interessadas pelos conteúdos. Recentemente, produzimos um conteúdo sobre a Rua do Lazer e ele foi estrondoso”, comemora a jornalista.


Entre cores e afetos

À frente do Projeto Pigmentos, Rodolpho Furtado utiliza ícones para resgatar

memórias, provocar uma nova perspectiva e propor uma pausa contemplativa

Antes de optar pela Arquitetura, Rodolpho Furtado, 32 anos, tentou encontrar sua vocação em outras áreas: fez cursos de Gastronomia, Publicidade, até Veterinária. Mas quando percebeu que estava no lugar certo, na profissão certa… “Aí tudo foi lindo. Até eu entrar no mercado de trabalho, já que o mercado não tem muito a reflexão presente na faculdade”, admite. Mas daquela reflexão alimentada no curso superior, nasceram ideias, desejos de fazer algo diferente, de empregar seu talento em uma iniciativa inovadora. Estava nascendo o Projeto Pigmeus, proposta que visa redescobrir Goiânia, com seus afetos e suas cores.

 

“O Projeto Pigmentos surgiu não apenas como uma produção para satisfazer minha vontade de promover reflexão acerca do cotidiano, mas também despertar o interesse nas pessoas no nosso patrimônio esquecido por entre outdoors, cabos elétricos e uma rotina atarefada e sem tempo para uma pausa contemplativa’, pondera. “Eu queria utilizar de um artifício moderno (redes sociais) para provocar as pessoas.Fazê-las ver o que não viam no dia a dia.” Cotidianos que ocultam memórias que Rodolpho se propôs a resgatar por intermédio de uma visão menos óbvia, que instiga a curiosidade e convida a refletir.

 

Ele fez isso por meio de obras que tomam ícones da cidade, detalhes de monumentos e espaços públicos, dando a essas imagens outras leituras. “A questão é justamente essa: provocar uma nova perspectiva. Não diria que o público enxerga a cidade melhor. Mas de fato enxerga a cidade. Para e observa. Sai um pouco da rotina, do cotidiano, e leva pra um lugar mais reflexivo, de memória e afeto.” Com cores vibrantes e contrastes, as obras despertam reações variadas. “Algumas pessoas relembram memórias, outras reparam coisas nunca antes reparadas, outras relatam histórias que a família contou sobre o lugar.”

 

Rodolpho diz que alguns sentimentos predominam diante de seu trabalho. “A memória. O afeto. Se nós conversarmos com nossos avós, todos terão alguma história sobre esses elementos que passam despercebidos atualmente. Isso é memória. Isso é patrimônio.” Um patrimônio que, na sua opinião, precisa receber melhores cuidados. “Alguns lugares, como a Praça Cívica e a Praça Joaquim Lúcio, sofreram reformas constantes e relativamente recentes. Como criar memória e afetividade com algo sempre mudando? Como criar memória e afetividade com espaços que não são utilizados há décadas?”

 

O arquiteto propõe que a arte inspire soluções. “Justamente os prédios que deviam ter grande importância são aqueles mais marginalizados. Eles ficam no Setor Central e em Campinas. Setores infestados por outdoors, poluição visual, ambientes tradicionalmente comerciais que não receberam muitas limitações de comunicação visual até poucos anos atrás. Não iremos valorizar aquilo que não conseguimos ver, e, quando vemos, o lugar está completamente degradado. E como evitar essa degradação? Dê utilidade para esses lugares, coloque-os como participantes ativos da vida urbana”, recomenda.

 

O Projeto Pigmentos nasceu dessa inquietação. “Comecei trabalhando com prédios tombados, peculiares, que me instigavam memória afetiva. Enquanto fazia meu TCC sobre Campinas, ouvi muitos causos, histórias e relatos. A rua dos bordéis de Campinas, crianças brincando no trampolim do Lago das Rosas. Coisas que parecem absurdas atualmente porque não acontecem mais, e muitas foram apagadas”, lamenta. “Comecei a produzir tudo o que provocava a memória e o afeto. O sanfoneiro da roda de samba, o carrinho de pequi, o vendedor de ouro do Centro.” Em suas obras, todos ganham nova vida, novas cores.


O que pensam sobre Goiânia?

O POPULAR perguntou a estudantes de 8 cursos diferentes da UFG e da PUC sobre o que sentem, como encaram, quais são suas memórias da cidade. E as quase 100 pessoas que responderam a enquete revelam visões lúcidas sobre o presente e o futuro da capital

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“Goiânia é uma cidade grande, porém em muitos momentos, ela parece pequena, já que é muito fácil fazer conexões com as pessoas”, afirma uma aluna do curso de Psicologia da PUC Goiás. “Goiânia é bem arborizada”, elogia um aluno do curso de História da UFG. “Tem boa estrutura de hospitais públicos”, aponta um outro estudante, este do curso de Artes Visuais, também da UFG. “Oportunidades de uma grande metrópole em uma cidade que mantém características de interior”, reforça uma outra pessoa, que cursa Medicina na UFG. “Acho as pessoas receptivas”, concorda uma futura arquiteta, que estuda na PUC.

 

Respostas assim não foram raras a um questionário que O POPULAR aplicou junto a estudantes da Universidade Federal de Goiás e Pontifícia Universidade Católica de Goiás, com a colaboração das respectivas assessorias de comunicação, de coordenações e professores de oito cursos superiores, quatro de cada uma das instituições de ensino. A enquete, que perguntou sobre os sentimentos em relação à capital, suas virtudes e seus problemas, além de pedir que apontassem espaços especiais da cidade, foi respondida por 98 alunos e alunas, quase 85% deles na faixa etária entre 18 e 24 anos de idade.

 

Esse olhar dos jovens revela, em geral, uma consciência muito clara sobre o que Goiânia tem de bom e no que ela precisa melhorar. Muitas respostas elogiaram, por exemplo, a arborização das ruas e o clima receptivo que a cidade tem. Por outro lado, também chamaram a atenção para problemas no trânsito e na mobilidade urbana, quanto à segurança pública e se mostraram preocupados com a falta de investimento em cultura e na preservação de pontos históricos da cidade. Olhares que, independentemente do perfil dos cursos, parecem focar em pontos próximos, ligados à qualidade de vida em Goiânia.

 

A pesquisa foi respondida por alunos dos cursos de História, Engenharia Civil, Medicina e Artes Visuais, da UFG. Já da PUC Goiás, responderam estudantes dos cursos de Direito, Psicologia, Arquitetura e Engenharia da Computação. Algumas respostas foram bem diretas. “É bonita”, definiu um estudante de Artes Visuais. Outras, buscaram elaborar mais suas opiniões. “Cidade muito arborizada, porém com muitos problemas estruturais, muitos empreendimentos construídos em locais de nascentes; trânsito caótico em horários de pico; precariedade em transporte público”, listou outro aluno do mesmo curso.

 

Na enquete, a questão ambiental é protagonista, tanto nos pontos positivos, quanto nos negativos. Um aluno de Medicina resumiu os dois lados: “bem arborizada”, mas com “lixo nas ruas”. Já um estudante de Engenharia Civil reconhece a boa arborização da capital, mas considera que há “falta de planejamento, só o Centro foi planejado, mas sua expansão, não”. Outro estudante do mesmo curso faz contrapontos parecidos. Em sua visão, “a cidade possui muitos parques”, entretanto “as áreas públicas não são bem cuidadas.” Um terceiro aluno de Engenharia Civil fala até em “ilhas de calor” na cidade.

 

Os problemas relacionados à mobilidade também ganham projeção nas respostas ao questionário. “O trânsito é terrível”, afirma um aluno de Direito. Para um discente de Engenharia da Computação, há “muito trânsito”, enquanto que para uma aluna de Arquitetura, “o trânsito é pesado”. Uma outra futura arquiteta considera que, além de “muito trânsito”, “as atividades culturais são muito desvalorizadas e não possuem muito investimento e a cidade está ficando muito perigosa.” Uma colega do mesmo curso assinala que o “transporte público” é um dos calcanhares de Aquiles da capital goiana.

 

Se por um lado, as questões mais práticas têm sua devida importância, aspectos menos tangíveis, mas igualmente relevantes, não passaram despercebidos pelos estudantes da UFG e PUC Goiás. O principal deles é a hospitalidade do goianiense. “As pessoas são muito acolhedoras e humildes”, considera um aluno do curso de História. “As pessoas são muito receptivas e carinhosas”, reforça uma estudante de Medicina. “Pessoas de grande coração”, assegura uma aluna de Direito. Para uma colega sua do mesmo curso, há “uma relação de proximidade entre as pessoas.”

 

Esse contato social seria facilitado pelas opções de lazer, elogiadas por vários daqueles que responderam o questionário. “Uma cidade ótima de se morar, com várias possibilidades de programas de lazer”, afirma um aluno de Engenharia da Computação. Uma estudante de Arquitetura diz que “além de lugares ótimos para convivência, passeios e moradia, Goiânia também possui pessoas gentis e que tornam morar aqui muito melhor.” As feiras, o comércio, os bares e a culinária são citados como ótimos argumentos em prol da cidade. “Todo mundo se conhece, parece um interior grande”, brinca um aluno de Psicologia.

 

Mas há outras facetas também salientadas. Uma aluna de Psicologia se queixa que em Goiânia “há muito racismo, machismo e LGBTfobia”. Uma colega sua, do mesmo curso, acredita que “as pessoas pensam de uma forma mais tradicional e sem muita abertura às coisas novas”. Já um estudante de História avalia que “parte considerável da população goianiense é preconceituosa e provinciana, e que ainda sente orgulho disso”. Já um estudante de Direito, mesmo admitindo que Goiânia é “uma cidade alegre”, a vê, ao mesmo tempo, como “uma cidade retrógrada”. Comportamentos que surgem em outros espaços.

 

“Há falta de respeito no trânsito, tanto em relação aos motoristas, com a falta de empatia com os outros, quanto dos órgãos públicos e que deixam a desejar em relação à infraestrutura”, critica um estudante de Direito. Uma falta de empatia que pode estar nutrindo a desigualdade social, também apontada como um dos principais problemas da cidade em várias das respostas. “Desigualdade social, drogas e desamparo governamental em relação aos jovens da periferia”, denuncia um aluno de Engenharia da Computação. “Desigualdade social absurda”, ressalta um estudante de Engenharia Civil. 

 

Exaltando qualidades ou pontuando problemas, os estudantes que responderam a enquete proposta por O POPULAR para este material especial do aniversário de Goiânia revelam muita lucidez sobre a cidade em que nasceram, vivem e estudam. Da onipresente pamonha, da música sertaneja e do clima quente e seco, às questões mais sensíveis, como o aumento da criminalidade, a violência policial e mentalidades consideradas mais atrasadas, vários assuntos foram abordados. Jovens que pertencem a diferentes áreas de atuação, com histórias de vida distintas, mas que sabem o que precisa ser melhorado.

 

Lugares especiais

Na enquete proposta por O POPULAR, foi perguntado aos estudantes que local de Goiânia era especial para eles. Alguns cartões-postais da cidade foram citados mais de uma vez, caso da Praça Cívica, do Bosque dos Buritis, do Lago da Rosas e dos parques Flamboyant e Vaca Brava. Prédios e monumentos históricos também foram lembrados, como o Teatro Goiânia e a antiga Estação Ferroviária (na Praça do Trabalhador). O Museu de Arte de Goiânia, no Bosque dos Buritis, e o Centro Cultural Oscar Niemeyer não foram esquecidos, assim como o canteiro central da Avenida Goiás, com seu relógio recém-reformado.

 

Quanto ao Oscar Niemeyer, um aluno do curso de Direito explica que gosta do lugar em razão de uma memória de quando seus primos mais jovens iam patinar no local. Na lista dos menos citados, mas não ignorados, estão o Parque Areião, o Parque Mutirama, o Palácio das Esmeraldas, a Praça Universitária, a Praça do Avião e o Memorial do Cerrado, no campus da PUC Goiás no Parque Atheneu. Já o Centro de Goiânia foi mencionado num sentido mais geral algumas vezes, com avenidas e prédios históricos. Nessa região, a Rua do Lazer e o restaurante Zé Latinhas ganharam destaque de uma aluna de Medicina.

 

Outro estudante de Medicina enfatizou sua admiração pelo traçado urbano de Goiânia. “O mapa do centro da cidade é um perfeito mapa de Goiás”, sublinha. “O 'triângulo' formado pelas avenidas Araguaia, Tocantins e Paranaíba são os rios que cercam o estado ao norte, sudoeste e leste. Esse triângulo é cortado na vertical pela Avenida Goiás, (representando que o estado está cercado pelos 3 rios) e cortado na horizontal pela Avenida Anhanguera, simbolizando as bandeiras que cortaram o Estado na sua descoberta. É uma simbologia sensacional e única. Infelizmente pouquíssimas pessoas sabem que existe.”

 

Outros pontos da cidade também são destacados por esse mesmo aluno de Medicina da UFG, que demonstra excelente conhecimento sobre a História da capital. “Campinas e as praças antigas, a Praça do Cruzeiro (batismo cultural), Mercado Central e Mercado Popular.” Já um aluno de Engenharia da Computação brinca com os monumentos das obras viárias inauguradas nas administrações do ex-prefeito Iris Rezende, chamando as construções de ‘chifres”, enquanto que um estudante de Engenharia Civil não deixa passar em branco os pit-dogs “como patrimônio cultural e imaterial" da cidade.

 

Memórias e oportunidades

 

“Minha cidade a vida inteira, meu berço.” Com concepções como esta, dada por uma aluna de Psicologia, diversos universitários que participaram da enquete de O POPULAR revelaram os sentimentos que a capital goiana suscita em suas vivências, em suas memórias e seus afetos. “A palavra Goiânia me remete a aconchego, me sinto confortável com a cidade e com tudo o que ela me proporciona”, acrescenta outro estudante de Psicologia. “É a terra da minha família”, pondera mais uma integrante do mesmo curso. “É lar, conforto”, resume uma outra aluna de Psicologia. “A cidade onde nasci”, diz um aluno de Artes Visuais.

 

Esse sentimento de pertencimento faz com que algumas características de Goiânia sejam celebradas. A fama de ser uma cidade com mulheres bonitas é confirmada por várias respostas dadas pelos estudantes. Por outro lado, a perspectiva de diversão também vem à tona entre as sensações que a cidade provoca. “Villa Mix”, afirma um estudante de Direito. “Calor, sertanejo, parque, shopping e, óbvio, aquela saidinha à noite”, assinala um aluno de História. Um outro estudante do mesmo curso vai em direção parecida. “Lugar repleto de vegetação, comidas goianas, sertanejo.” Essa associação é bem comum nas respostas.

 

Para um aluno de Engenharia da Computação, um símbolo goiano também representa bem a capital do Estado: “pequi”. Um colega seu de curso também é sucinto ao falar de Goiânia: “calor”. Para um estudante de Medicina, a palavra é outra: “família”. Um companheiro de curso prefere outra definição: “metrópole”. Dois alunos de Arquitetura tiveram a mesma resposta: “pamonha”. Já um aluno de Artes Visuais não foi tão bonzinho com a cidade: “marasmo”, respondeu. A visão de uma estudante de Psicologia coordena diversos aspectos em seus sentimentos pela cidade: “prédios, pecuária, estudos e trabalho.”

 

Vários dos participantes apontam exatamente para as oportunidades que Goiânia oferece em possíveis mudanças e melhorias de vida. “É um lugar incrível, onde os sonhos podem ser possíveis, onde você tem inúmeras oportunidades de construir o futuro, de recomeçar uma vida e criar estabilidade”, disserta uma aluna de Arquitetura. “Uma cidade aconchegante e completa, capaz de atender a todos os gostos e necessidades de quem chega aqui”, garante uma aluna do Direito. “Cidade com grande crescimento”, enfatiza outra estudante das leis. Um crescimento que passa pelas chances de instrução e formação.

 

“Quando penso em Goiânia vem à minha mente uma cidade com muitas realizações. Com universidades que chamam a atenção de alunos de todo o País e uma oportunidade para que muitos alunos possam estudar e trabalhar”, argumenta mais um aluno de Direito. Um outro colega de curso acrescenta: “Cidade de mais oportunidades que o interior.” Um estudante de Engenharia Civil reconhece que é uma cidade “com oportunidades de melhoria de vida e diversa”, mas com “desigualdade social”. “Cidade grande, desenvolvida, onde se encontra tudo”, afirma um aluno de Engenharia da Computação.

 

Mesmo reconhecendo os déficits que a cidade mantém com seus habitantes – “plano diretor leniente, trânsito relativamente ruim”, aponta um futuro engenheiro civil –, boa parte dos estudantes encontram em suas recordações muitos vínculos que os ligam à capital de forma especial. “Vêm à minha mente as boas lembranças que tive no decorrer da vida. Quando se fala em Goiânia, lembro de todas as minhas raízes”, testemunha um aluno do Direito. “Uma cidade que foi construída para ser moderna desde o princípio, mas que carrega a tradição e o orgulho goiano”, identifica um aluno de Medicina.

 

Essas memórias estão associadas ainda, de acordo com as respostas dadas, com o patrimônio cultural local – um aluno de Engenharia Civil salienta o valor do art déco na cidade, enquanto que outro, de Engenharia da Computação, elogia sua arquitetura, apesar de se queixar “que o povo, acelerado, não tem tempo para pensar em seus problemas”. Um estudante de História chega a dizer que a “cidade parou no tempo e está decadente”, mas esta não é a opinião da maioria dos universitários que participaram da enquete. Outro aluno do mesmo curso prefere falar na “peculiaridade do povo e sua cultura”.

Reescrever histórias

Professora de Arquitetura e nos mestrados em História e Desenvolvimento e Planejamento Territorial, todos na PUC Goiás, há mais de um ano a pesquisadora Sandra Pantaleão está empenhada, junto com seus alunos, em apreender a história do desenvolvimento de Goiânia por outro caminho: os afetos que as pessoas desenvolvem pelos bairros onde vivem. Investigando documentos em órgãos públicos e prestes a iniciar a coleta de depoimentos orais dos moradores, ele começa a traçar um mapa afetivo da cidade, de seus momentos de crescimento e de como a capital cresceu até chegar às dimensões que tem hoje. Em entrevista a O POPULAR, Sandra explica este trabalho de resgate e salienta a importância de não se deixar essa memória desaparecer.Parágrafo Novo

O Projeto

“A preocupação que os alunos pudessem ter uma compreensão melhor da dinâmica da cidade me despertou a necessidade de compreender melhor os processos de sua criação. Um trabalho muito legal publicado em O POPULAR, que falou de forma específica sobre vários bairros, me instigou muito a entender melhor a formação, principalmente, dos bairros que não fazem parte do centro consolidado. A gente teve a oportunidade de estudar, num primeiro momento da pesquisa, o Plano de Desenvolvimento Integrado de Goiânia elaborado pelo arquiteto Jorge Wilheim, na década de 1960, que também coincidiu com o momento em que as atribuições do planejamento urbano de Goiânia saíram da esfera estadual e passaram a ser responsabilidade da Prefeitura. Isso implicou numa série de alterações. Num primeiro momento, o estudo dessa legislação me despertou para a discussão e quando tivemos a oportunidade de fazer a leitura do diagnóstico que antecede a própria legislação urbanística, havia um indicativo de legalizar os bairros aprovados na década anterior. Na década de 1960, tivemos quase 160 bairros que foram criados, por exemplo, por decretos. Decretos que diziam: o perímetro do bairro vai ser este, mas nem projeto havia. Uma espécie de legitimação de algo que havia sido feito anteriormente, mas que não estava registrado documentalmente que seria a planta de cada bairro. As fontes documentais são muito importantes em nossa pesquisa. Há alguns projetos que são de autoria dos próprios funcionários públicos. O Setor Pedro Ludovico, por exemplo: o bairro foi aprovado em 1938, mas o projeto é de 1952. Mas por que isso?”

As fases da cidade

“Quando começamos a fazer um levantamento de todas as legislações que regulamentavam as zonas urbanas de Goiânia, observamos até leituras engraçadas. Tem, por exemplo: a zona urbana será de até 4 léguas a partir da Praça Cívica. Isso depois é ampliado para 15 quilômetros. Nesse raio poderia ter qualquer tipo de parcelamento? No ano passado, abrimos a pesquisa, que se chama História Urbana de Goiânia, pensando principalmente como poderíamos entender a história da cidade a partir dos bairros. Me parece que falta isso, no sentido não só de legitimar esse plano que estava posto até 1938, quando a gente tem lá o desenho do Setor Sul, do Centro. Depois vem a planta de 1947, com o desenho do Setor Universitário, a indicação do Setor Oeste, do próprio Setor Coimbra. Olhamos para os bairros e começamos a fazer um mosaico urbanístico, para encaixar essas peças, saber de qual período é cada uma delas. O primeiro é saber qual a data do decreto. Depois buscamos saber se o bairro foi aprovado só com decreto ou tem o desenho. Ou será que a própria ocupação veio primeiro? Havia essa questão de invadir, ou ocupar, e ainda existia a doação de terras. Fizemos essa costura de várias fontes primárias. Tivemos também um trabalho muito interessante no acervo reunido pelo professor Alexandre Ribeiro, que fez o levantamento do acervo de [Edwald] Janssen, um dos topógrafos que desenharam o Setor Pedro Ludovico. A ideia é que esta pesquisa possa constatar, dentro de toda essa história de ter sido uma cidade nova, planejada pelo Attílio Corrêa Lima e o Pedro Ludovico, como os bairros também vão moldando essa paisagem. Cada bairro, com as pessoas que moram nesses lugares. Muitas vezes há um certo apagamento, com uma visão mais heróica, de que veio uma única pessoa, desbravou o sertão e criou a cidade. Não é bem assim.”

 

Memórias e modificações

“É curioso a gente pensar que muitas coisas que estavam desenhadas não foram efetivamente parceladas. Os desenhos do Setor Sul, mal chegam na Praça do Cruzeiro, já não tinha arruamentos. O projeto do Setor Sul foi modificado, mas isso não foi realizado de uma vez só. À medida que o tempo passa, outras necessidades foram surgindo e é natural que haja alterações. São relações que a gente busca compreender, para não ficar só no desenho bidimensional, porque isso não dá conta de explicar a cidade. A partir desse quase inventário, olhando para quem são as pessoas, a gente percebe uma nostalgia das décadas de 1950 e 1960. Esse é o momento em que a cidade é de fato ocupada. Em 1970, pelo censo do IBGE, são 380 mil habitantes. É muita gente que chega ao mesmo tempo. Tinha lugar para todo mundo? Os bairros foram ocupados pela necessidade de absorver essa população? Quem vai ser direcionado para qual lugar? Começamos a perceber os bairros que vieram primeiro, pela sua arquitetura, e percebemos que há uma população mais idosa. Isso acontece no Setor Sul, no Pedro Ludovico, no Setor Universitário, na Vila Nova, que estamos começando a estudar agora. Ainda há casas em que os pais já faleceram, mas os filhos as mantiveram, conservando aquela paisagem cultural, tentando, de certa maneira, a preservação de um patrimônio que não está legitimado, não há o tombamento, mas que tem a relação de afetividade. Ela se reconhece naquele espaço, ela consegue contar coisas da história oral que não estão escritas nos livros. É um material muito rico. Se não corrermos atrás disso, não vamos conseguir mais fazer esse mapeamento.”

 

Rastros a descobrir

“A próxima etapa é a entrevista com as pessoas. A pesquisa está prevista para quatro anos e esse será o último estágio. Na pesquisa, é proposto que Goiânia teve cinco momentos que marcam sua história, na criação de uma espécie de identidade, e também momentos de intensas transformações. Consideramos que a construção da cidade vai até 1947. É o DNA de Goiânia e suas mutações. As pessoas vieram construir a cidade, mas ficaram em acampamentos temporários. Onde estão esses acampamentos? Temos as primeiras ocupações onde era a Vila Operária, depois passou a se chamar Nova Vila e Leste Vila Nova. Próximo ao antigo traçado da ferrovia, ainda temos resquícios de ocupações, ali atrás da Pecuária. A nossa intenção, neste próximo ano, é ir a campo, fotografar, começar a conversar com as pessoas, no sentido de uma troca de experiências. Eu, particularmente, tive o privilégio de ter avós que foram pioneiros na cidade, no Mercado Central. São essas pessoas que vão ajudar a contar essas histórias que não estão ainda tão visibilizadas. Quando eu fiz o credenciamento no Mestrado em História, eu tinha uma aluna que tinha as fotos dessas pessoas nos acampamentos. Aí resolvemos juntar as duas coisas, da visão mais técnica com a visão mais etnográfica.” 

 

Capital em mutação

“Temos o segundo e o terceiro momentos das mudanças de Goiânia. Elas aparecem por volta de 1959 e 1960 e vão até os anos 1970. Primeiro com uma mudança da legislação urbana, que ficou mais rígida. E há os primeiros assentamentos fora da zona urbana em áreas do Estado. E o Estado vai começar a trabalhar com os conjuntos habitacionais, como a Vila União. Tínhamos um espaço bem contínuo de ocupação, da Vila Nova até o Setor Pedro Ludovico, mas ele começará a pulverizar em áreas que também vão criar uma dinâmica própria. Temos a Vila Novo Horizonte, a Vila Itatiaia, o Urias Magalhães. É como se fossem minicidades dentro de Goiânia. Vão ter os mercados, as praças do comércio. Tudo isso cria relações de afetividade, de pertencimento, mesmo que as populações vivam em condições não tão favoráveis pela falta de infraestrutura, de acesso. No quarto momento, temos o Plano Diretor dos anos 1990, que vai valorizar as praças e os parques da cidade, como se eles fossem os únicos elementos de afetividade. E isso vai contribuir num processo de metropolização a partir dos anos 2000, quando temos a conurbação efetiva entre Goiânia e Aparecida. A relação que as pessoas estabelecem nas cidades não são tão contempladas e muitas vezes isso determina mudanças na cidade que passam despercebidas. Queremos relacionar a dimensão geográfica com a dimensão da História, e assim conseguirmos olhar para esses bairros que, de certa maneira, resistem. A gente olha para as aerofotogrametrias, as ortofotos, as fotografias, e vai tentando fazer esses encaixes do mosaico. No ano que vem, vamos tentar fazer essa dimensão mais afetiva e a intenção é que quando Goiânia fizer 90 anos, daqui dois anos, possamos lançar um livro.”

 

Fazendas na origem

“Entra na discussão se as mudanças na legislação vêm para constituir o coletivo ou se ela vem, na verdade, para o favorecimento de grandes propriedades. Essa ideia da valorização fundiária tem muito mais sentido na construção e constituição da história da cidade do que apenas olhar para aquela que foi planejada para 50 mil pessoas. Ela está muito além disso. A escolha de seu território é isenta dessa relação público-privada? Uma das conclusões a que já chegamos é que a cidade é muito constituída nessa relação público/privada de valorização fundiária. A decisão onde determinado bairro vai surgir não é uma necessidade da população, de respeitar as questões ambientais. Isso tem a ver com quem é o proprietário da área e como ele pode ser favorecido com essas mudanças. Não dá para dissociar, nos agentes promotores do espaço, de um viés político-institucional ou econômico-fundiário. Eles acabam definindo mais coisas do que nós, arquitetos e urbanistas, geógrafos ou outras equipes profissionais que pensam a cidade.”


Expediente

Editores Executivos

Silvana Bittencourt e Fabrício Cardos


Reportagem

Roogério Borges


Edição

Gabriela Lima


Edição Online

Michel Victor Queiroz


Arte

André Rodrigues


Diagramação (impresso)

Lúcio Rodrigues


Edição de Fotografia

Weimer Carvalho


Fotos

Fábio Lima, Diomício Gomes, Wildes Barbosa, Wesley Costa e

Douglas Schinatto (Cedoc).

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