Cultura e meio ambiente como esteios
Nesta terça-feira, dia 14, data exata dos 20 anos da obtenção do título de Patrimônio da Humanidade pela cidade de Goiás, será aberta oficialmente mais uma edição do Festival Internacional de Cinema Ambiental, FICA, iniciativa iniciada ainda em 1999 como uma das ações para dar visibilidade à antiga Vila Boa no esforço de defender sua candidatura junto à Unesco. “Fizemos a primeira edição do FICA na cidade de Goiás já ligada à possibilidade de uma análise internacional desse título de Patrimônio da Humanidade, o que casou muito bem”, recorda Nasr Chaul, titular da pasta da cultura estadual naquele período.
Essa escolha não foi aleatória. O FICA simboliza a conjunção de dois fatores que não só ajudaram a cidade a conquistar o título, mas que a diferenciaram em sua manutenção nas últimas duas décadas, emprestando-lhe uma identidade muito própria: o encontro entre cultura e meio ambiente. Muitas das ações durante todo esse tempo miraram essas duas áreas. Em eventos, na instalação de cursos superiores, no marketing criado em torno de suas belezas, Goiás abraçou essa comunhão, que já está no próprio dossiê sobre os encantos da cidade. Sua moldura ambiental e seu valor cultural se uniram no documento.
A preservação de ambas, portanto, não é uma mera opção, mas uma obrigação, algo essencial para que Goiás permaneça gozando do título da Unesco. É bom lembrar que a honraria, caso tal proteção não ocorra, pode, em tese, ser retirada. “Existe muita cobrança de que Goiás pode perder o título, de que está na iminência de que isso aconteça. Não tem nada disso”, tranquiliza Salma Saddi, ex-superintendente do Iphan em Goiás. “Se Goiás souber preservar o que tem lá, vai manter o título. Agora, é preciso ter bom senso das pessoas”, alerta. Um bom senso que precisa vir da sociedade civil e do poder público.
“Já existe um programa de monitoramento das queimadas. Há treinamento preventivo de brigadas. A preservação da Serra Dourada é extremamente importante não só para a questão ambiental, mas para as atividades econômicas”, informa Rodrigo Santana, geógrafo e especialista em desenvolvimento urbano, que também colaborou no dossiê da candidatura junto à Unesco. “Estamos trabalhando no novo Plano Diretor da cidade, apontando novas diretrizes em que devemos mirar o desenvolvimento econômico, mas preservando o patrimônio ambiental e histórico”, ressalta.
“Vinte anos atrás, muitos bairros não existiam ainda. O desafio é levar saneamento básico”, reforça o prefeito Aderson Gouvea. “Os 20 anos do Patrimônio tiveram uma contribuição para a preservação ambiental, para o mundo conhecer Goiás. O Caminho de Cora já traz essa inovação. Temos o distrito de Buenolândia. Tem um movimento para restaurar a casa do Bartolomeu Bueno da Silva. Lá é o primeiro arraial de Goiás. Tem um projeto também de valorização do Caminho do Ouro, que começa em Buenolândia e continua. Tem a Estrada Imperial. São coisas futuras em que a gente pode avançar”, lista o gestor.
Atrações turísticas atraem mais público e eventos e isso fez de Goiás um pólo, mas ainda com gargalos. “É um desafio. Já houve várias iniciativas de valorizar mais, por exemplo, nossa gastronomia. Já tivemos aqui festivais de gastronomia para mostrar e dar vazão aos nossos pratos típicos. Os festivais são oportunidades de aprender e melhorar na qualidade, na apresentação dos produtos, o que gera ganho econômico também nesse sentido”, avalia o prefeito. Já é possível encontrar em Goiás bistrôs e restaurantes típicos de qualidade, hotéis e pousadas bem estruturados, mas é necessário haver mais coordenação.
Um exemplo é a relação entre centros culturais e museus existentes na cidade. “Falta uma gestão geral para fazer com que esses equipamentos dialoguem mais entre si, percebam suas potencialidades, dividindo informações, como horário de funcionamento, no trato com os turistas, no calendário dos eventos”, aponta PX Silveira, produtor cultural responsável pela programação do Instituto Biapó. “Não precisa uma coisa acontecer atrás da outra. Temos dois semestres para preencher um calendário interessante. Goiás tem muito conteúdo. Com um pouquinho de estratégia, a cidade vai ganhar bastante”, argumenta.
O FICA é um desses eventos que não se resumiram a uma semana no ano. Ele fundou uma tradição de produção audiovisual na cidade. O Instituto Federal de Goiás (IFG) criou ali um bacharelado em Cinema e Audiovisual e um curso técnico integrado em Produção de Áudio e Vídeo. Já a tradição literária da cidade, onde nasceram nomes como Cora Coralina e Hugo de Carvalho Ramos, incentivou a criação de um curso de Letras pela UEG. Também há disponíveis cursos de História na UEG e de Arquitetura e Urbanismo na UFG. São as vocações de uma cidade que une diversas áreas para se mostrar ao mundo.
O saldo de 20 anos
Festivais – Goiás ganhou vários eventos, com especial atenção para o FICA, que andou tendo problemas nas últimas edições, mas que tem a promessa de ser retomado com mais força daqui para frente. Festivais literários e gastronômicos também integram o calendário.
Universidades – Campi de três instituições de ensino superior (UFG, UEG e IF Goiás) deram mais oportunidades para os jovens estudarem na própria cidade, com cursos em várias áreas, de Gestão do Patrimônio ao Direito, de Ciências Agrárias à Filosofia.
Reformas e preservação – Depois das obras físicas feitas para a obtenção do título de Patrimônio da Humanidade, houve a enchente de 2001 e a recuperação da cidade. Prédios têm sido restaurados nas duas últimas décadas, com inaugurações pontuais nesse período.
Visibilidade – Celebrações, como a Procissão do Fogaréu, ganharam fama nacional neste período, atraindo muitos turistas, assim como os versos de Cora Coralina. Goiás deixou de ser um pólo apenas regional de turismo, ganhando mais estrutura e visitantes.
Melhor acesso – A duplicação da GO-070, que liga Goiânia à cidade de Goiás, facilitou o acesso à antiga capital. A criação do Caminho de Cora, passando pelos antigos arraiais de Ouro Fino e Ferreiro, deram outro acesso à cidade, com uma opção mais aventureira.
Cidade em festa
Alguns eventos marcarão os 20 anos da concessão do título de Patrimônio da Humanidade à cidade de Goiás. Confira:
Igreja do Rosário (Dia 14, a partir das 11h) – Apresentação de seresteiros, ternos de congo, corais, declamação de poesias e exposição de obras de arte de Amaury Menezes e Élder Rocha Lima. Lançamento de selo comemorativo e entrega de comendas e diplomas a entidades e personalidades.
Museu Conde dos Arcos (Dia 15, a partir das 9h) – Abertura da exposição Patrimônio e O Tempo: Outras Narrativas, com fotografias históricas, produções técnicas e depoimentos.
Escritório do Iphan em Goiás, em frente à Igreja São Francisco (Dia 15, às 19h) – Cantata de Natal, com Coral da Secretaria Estadual de Educação.