Quem já esteve em uma pamonhada? Aqueles que viveram a experiência de ver amigos se reunirem em um domingo ensolarado para colocar, literalmente, a mão na massa, sabem do que estou falando. Os homens vão para a roça pegar as espigas e encher sacos e mais sacos delas, que são entregues na área dos fundos da casa – sim, a residência tem que ter ao menos um quintal ou um alpendre; melhor mesmo é fazer em uma chácara ou fazenda. Aí é a hora de tirar a palha verde do milho, o que deve ser feito com o devido cuidado, já que serão elas que embrulharão o quitute.
Depois de descascado, vem aquele momento meio chato, que geralmente sobra para a garotada: “Vamos tirar o cabelo do milho!” E haja paciência para encontrar aqueles fios grudados entre os grãos. E alguns são resistentes, chatos, se recusam a sair de seus esconderijos! A espiga, porém, precisa estar limpinha para poder ser ralada. “Cuidado para não cortar o dedo no ralo”, avisa alguém mais velho. Com os ralos dentro de vasilhas, a massa começa a escorrer, a cheirar, a tomar forma. Por fim, uma raspada na espiga com uma colher para tirar o restante do produto.
Com aquele monte de vasilhas cheias de massa, entram em cena as cozinheiras experientes. Enquanto o resto do pessoal se esfalfava com as espigas, elas preparavam o recheio e arrumavam diligentemente as palhas para embalar. Parte da massa ganha açúcar, a outra, sal. Recheios como queijos, lingüiça, cheiro verde, pimenta, frango e o que mais se puder imaginar são colocados dentro de trouxinhas de palha de milho. Preenchidas com a massa, são fechadas e amarradas com ligas ou cordões de cores diferentes, para distinguir as pamonhas doces das salgadas.
No fogão (de preferência a lenha), panelões de água fervente aguardam o mergulho das pamonhas que, alguns minutos depois, estarão saindo, incandescentes, deliciosas, prontas para recompensar com seu sabor todo mundo que passou o dia inteiro envolvido em seu preparo. As pamonhas, na verdade, são pretextos para um dia em que se coloca a conversa em dia, atualizam-se as fofocas familiares, encontra-se os primos, as tias, os avós, chama-se os vizinhos para confraternizar. Em Goiás, essas reuniões demonstram, com clareza, o caráter social que a gastronomia pode conter.
Esse regime de mutirão no preparo dos alimentos é uma das heranças que devemos aos que viviam aqui quando os colonizadores apareceram. Os indígenas o utilizavam corriqueiramente, sobretudo em uma organização social em que o conceito de propriedade não era empregado. Os alimentos eram da comunidade, colhidos em uma terra que não pertencia a alguns indivíduos e sim a todos. E todos tinham o direito de prepará-los, fazendo isso também em comunhão, para que novamente todos pudessem se nutrir, sem que houvesse a preocupação de diferenciar quem fazia e quem comia.
O sociólogo Gilberto Freyre destaca esse aspecto quando fala dos contatos entre os homens brancos e os indígenas, salientando que o ritual da alimentação entre os povos nativos brasileiros era comunitário, mas com algumas divisões de tarefas. Preparar a comida que seria servida era uma tarefa eminentemente feminina. Os homens traziam os produtos e as mulheres se reuniam para manuseá-los. Os laços familiares e de pertencimento a um único povo se estreitavam, vínculos de confiança ficavam mais fortes e isso dava maior segurança alimentar a todos.
Os colonizadores, em alguma medida, mantiveram essa lógica em situações específicas. Segundo Freyre, essa “miscigenação culinária” entre portugueses e indígenas se deu por alguns motivos: casamentos entre homens brancos e mulheres índias, que levaram seus modos de cozinhar para dentro da casa desses europeus; total ausência de condições de armazenar determinados produtos, sobretudo os perecíveis, o que fez os colonizadores aprenderem com os indígenas soluções para lidar com alimentos que muitas vezes sequer conheciam e podiam até ser venenosos.