Maioria das mulheres mortas já tinha sido agredida

Dos nove feminicídios registrados em Goiás, em oito nem vítimas nem testemunhas denunciaram agressores anteriormente

Dos nove feminicídios registrados em Goiás, em oito não havia nenhum tipo de registro policial anterior da vítima contra o agressor. Os casos são os registrados na estatística da Secretaria de Segurança Pública (SSP), que utiliza como base os boletins de ocorrências do Registro Integrado de Ocorrência (RAI), registro único e integrado de qualquer ocorrência das forças de segurança pública do Estado. O registro em questão, feito cinco meses antes do crime, foi de averiguação e visita solidária. Ou seja, após acionada, a Polícia Militar foi ao local, mas a vítima não chegou a ir à Delegacia da Mulher. O documento relatava que a vítima havia sido agredida pelo companheiro na noite anterior e ele já não estava no local.

Dos nove casos, em seis deles familiares, amigos ou vizinhos relatam um histórico de agressão, seja durante o relacionamento ou após o término. Em cinco dos nove casos, ficaram apontadas, com base em investigações policiais e informações de pessoas próximas da vítima, situações de ciúmes excessivos e tentativa do autor de controlar a vítima, buscando afastá-la da família e de amigos.

Irmã da funcionária pública Giselle Evangelista, de 38 anos, Michelle Evangelista relata que a mulher vendeu o carro meses antes de ser morta pelo namorado José Carlos de Oliveira Júnior, que confessou o crime. Apesar de independente, Michelle conta que ele passou a levar Giselle ao trabalho e outros locais. “Ele era uma pessoa estranha. Tentava falar com ele em um almoço e ele ficava isolado, e puxava ela para um canto, tentando afastá-la de todos”, disse.

Rompimento

Em pelo menos dois dos nove casos, o agressor não aceitava o rompimento. A enfermeira Márcia Cristina Fernandes da Silva, de 37 anos, foi casada com o agente penitenciário Rosimar Brandão Ferreira Dias por mais de 20 anos. Quando ela pediu o divórcio, mais de um ano antes de ser morta, o homem recusou. Ele trabalhava em Barra do Garças, Mato Grosso, e ia para Formosa, onde Márcia vivia, nos dias de folga. Mesmo separados, com Márcia já até namorando outra pessoa, o homem fazia questão, por exemplo, de dormir na casa da mulher quando estava na cidade.

Márcia teve o primeiro filho com Rosimar aos 15 anos. A farmacêutica e técnica de enfermagem Letícia de Jesus dos Reis, amiga de Márcia, afirma que o homem ligava quase todos os dias a ameaçando. As discussões entre os dois eram constantes. Ela, no entanto, nunca quis denunciar o homem por não acreditar que ele teria coragem de fazer algo contra ela. Márcia também não queria um divórcio litigioso, porque teria que dividir tudo, inclusive a casa onde vivia com os dois filhos.

Não aceitar o fim desejado pela mulher não é algo exclusivo de relacionamentos longos. A auxiliar administrativa e estudante de Pedagogia Yone Glória da Cunha Novais, de 21 anos, namorava com Marcos Alexandre Morais de Assis há três meses. Segundo a mãe da jovem, Jucelene Ferreira da Cunha Novais, Yone disse que iria terminar o namoro devido às mentiras e ciúmes excessivos de Marcos. “Ele pressionava ela demais. Ela se sentiu sufocada. Se ela ia no banheiro, ele ligasse e ela não atendia, ele brigava com ela”, relata.

Tipificação mudada

“A vítima do sexo feminino, de aproximadamente 30-40 anos, se encontra em posição fetal dentro de uma mala, apresentando lesão no pescoço, indicativo de estrangulamento”. O relato da Polícia Civil descreve a vendedora Adriana Nunes de Sousa, de 24 anos, morta estrangulada e achada em uma mala, em um córrego de Aparecida de Goiânia.

O caso não foi tipificado como feminicídio na Polícia Civil. Na denúncia do Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), o órgão diz que o homem “imbuído por motivo torpe com emprego de asfixia, em razão de gênero e utilizando-se de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, matou Adriana”, remetendo assim à questão do gênero. O principal suspeito é o porteiro e estudante de Direito Ubiratan Guilherme Digues de Lima, de 35 anos, que está preso. Ele nega que tenha cometido o crime.

O delegado do Grupo de Investigação de Homicídios (GIH) de Aparecida de Goiânia, Rogério Bicalho Filho, que teve atuação no inquérito de Adriana, explicou que entendeu que o caso não foi um crime especificamente contra o gênero feminino. De acordo com ele, a motivação não ficou clara. Bicalho explicou ainda que a tipificação pode mudar ao longo do processo, com a denúncia do Ministério Público, como foi neste caso.