Goiânia 85 anos

Mirem-se  naquelas mulheres
Textos: Rogério Borges

Goiânia. Nome feminino, de pronúncia suave, batizada a partir da designação do Estado, oriunda de uma tribo indígena, os Goyazes, que habitavam a região da Serra Dourada, lugar onde antes ficava a capital. Goiânia veio substituir a antiga Vila Boa como centro do poder estadual e o plano de fundar no coração do Cerrado uma cidade para 50 mil habitantes, com o traçado de um famoso urbanista sob influência francesa, foi atropelado por um crescimento muito acima de qualquer expectativa ou previsão. 

Quase 30 vezes maior para o que inicialmente fora projetada, Goiânia chega aos 85 anos em plena transformação, moldada por mais de um milhão de vidas e histórias. Nessa travessia de oito décadas e meia, um sonho virou realidade e a realidade modificou-se em metrópole e a metrópole apresentou seus desafios, maiores e mais complexos. Isso, porém, não apaga a história de um lugar que precisou surgir do nada, forjado a partir de coragem e trabalho, doses de sorte e desprendimento, riscos e eventos imponderáveis. A poeira que se levantou quando as primeiras ruas começaram a ser abertas, o barulho das árvores caindo para dar espaço a prédios e palácios, o cantar dos carros-de-boi que transportavam materiais de construção simbolizam um início agreste, repleto de dificuldades, com esperanças sim, mas também com muitas incertezas.

E nesse começo, por mais que a narrativa histórica predominante faça pensar o contrário, lá estavam as mulheres. Em 1933, quando a pedra fundamental foi lançada e as primeiras missas foram celebradas no meio do Cerrado poeirento, elas marcaram sua presença. Nos primeiros anos, cheios de improviso e isolamento, continuaram a contribuir para que Goiânia se fizesse uma capital de verdade. No Batismo Cultural, em 1942, elas participaram do evento e testemunharam Goiânia ganhar formas e apontar para o futuro que a esperava. E nas décadas seguintes, as mulheres não foram meras coadjuvantes nesse árduo processo de instalação de um grande núcleo urbano no interior brasileiro. Goiânia só é o que é hoje graças à força dessa mulheres pioneiras, que para cá convergiram.

Por isso, neste caderno especial que celebra os 85 anos da cidade, O POPULAR presta mais que uma simples homenagem, mas faz justiça a mulheres, famosas e anônimas, religiosas e leigas, poderosas ou simples que ajudaram a escrever o roteiro de uma capital que surgiu do nada para ser uma das mais pujantes do País. 

Pouca gente se lembra, mas Goiânia foi fundada exatamente no momento em que as mulheres brasileiras conquistavam o fundamental direito ao voto e iniciavam mudanças sociais e comportamentais que ecoariam pelas décadas seguintes, num esforço histórico ainda não concluído. 

A Goiânia que emergiu de tantas variáveis tem uma essência feminina que não se resume ao seu belo nome.

Goiânia surgiu em cenário de 

conquistas femininas

Quando Goiânia foi fundada, o Brasil vivia um transe quanto ao papel da mulher na vida pública. O ano de 1933, que marca a data do lançamento da pedra fundamental da nova capital de Goiás, é o período em que as campanhas pelo voto feminino estavam no auge. No ano anterior, em 1932, o Código Eleitoral Provisório, firmando pelo Decreto 21.076, de 24 de fevereiro, assinado pelo então presidente Getúlio Vargas, liberava o voto feminino pela primeira vez. Era a vitória de uma reivindicação que ganhara força ainda na Proclamação da República, mas que fora barrada durante os primeiros governos sob o novo regime. A República Velha excluía as mulheres.

Aquela primeira permissão vinha acompanhada de diversas restrições. Só podiam votar mulheres casadas (mediante a devida autorização de seus respectivos maridos), as viúvas e as solteiras que comprovassem ter renda própria. Na prática, retirava-se do processo a maior parte das mulheres em um regime nada afeito à democracia. Um ano depois de Goiânia ser lançada, em 1934, as proibições ao voto feminino no Brasil foram todas revogadas. A obrigatoriedade do voto para as mulheres só veio na Constituição de 1946, após a ditadura Vargas, havendo, finalmente, a equiparação de direitos e deveres eleitorais para homens e mulheres.

A primeira mulher a votar conseguiu fazer isso ainda em 1928. A potiguar Celina Guimarães Viana obteve uma autorização especial e votou em Mossoró. O Rio Grande do Norte sempre foi vanguarda nesta seara, elegendo a primeira prefeita também em 1928. Foi na cidade de Lajes e a ela se chamava Alzira Soriano. A primeira deputada federal eleita foi Carlota Pereira de Queirós, em 1933, por São Paulo. Goiás só elegeria sua primeira deputada para o Congresso Nacional em 1986, Lúcia Vânia, que também ajudou a elaborar a Constituição de 1988. A primeira prefeita eleita em Goiás foi Leonaldina Aires de Moraes, de São Sebastião do Tocantins, em 1964.

Esta história de lutas tem em Bertha Lutz, filha do cientista Adolfo Lutz, um símbolo. Zoóloga, ela abriu alguns caminhos antes fechados, como, por exemplo, tornou-se secretária do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Já nos anos 1920, tomou para si a tarefa por lutar pelo voto feminino, indo à Liga das Mulheres Eleitoras, nos EUA. Na volta, fundou a Federação Para o Progresso Feminino e em 1922 organizou o 1º Congresso Feminista do Brasil. Foi deputada até a decretação do Estado Novo, em 1937, e integrou a delegação brasileira na criação da Organização das Nações Unidas, em Nova York, em 1945. Na ocasião, articulou a inserção de dispositivos sobre igualdade de gênero.

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Edição Multiplataforma
Silvana Bittencout, Fabrício Cardoso, Rodrigo Alves e Michel Victor Queiroz

Reportagem
Rogério Borges

Edição de fotografia
Weimer Carvalho

Arte
André Luiz Rodrigues

Design
Marco Aurélio Soares

Audiovisual
Carmem Curti
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