Devoção não tem data

Devoção não tem data

A voz do padre que celebra a missa a poucos metros de distância chega aos ouvidos da pequena Eloani Fernandes Godoi, nove anos de idade, mas ela não presta atenção ao que está sendo dito. No altar principal do Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, em Trindade, a homilia fala de ressurreição, afinal a Páscoa é no domingo seguinte, mas a garota vinda de Alexânia, no entorno de Brasília, está preocupada com algo mais urgente. Ela está perdendo os seus cabelos e não disfarça o espanto de vê-los cair aos tufos. Pega-os, examina-os, parece temer ver o resultado do corte radical.

Ao seu lado, a avó Marta Moreira dos Santos, 59 anos, está empenhada em duas missões: deixar a neta sem as longas madeixas e consolá-la sobre o que está acontecendo. “É uma promessa que estamos pagando”, diz a senhora, ao lado de uma de suas filhas, tia da menina. “Foi ela que arcou com a viagem até aqui”, enfatiza. As três estão exatamente aos pés da imagem do Divino Pai Eterno, aproveitando o pouco movimento no lugar. Nos dias da romaria, seria impossível fazer isso. Algumas pessoas passam e, curiosas, observam a cena e os cabelos de Eloani que caem ao chão.

“Ela teve um acidente de velocípede quando era bem pequena e bateu a cabeça bem forte. Ficou 19 dias sem andar. Foi quando eu, desesperada, fiz uma promessa ao Divino Pai Eterno. Se ela se curasse, quando completasse 7 anos, eu traria aqui para cortar o cabelo em frente à imagem”, contou a avó. “A gente está dois anos atrasada, eu sei, mas é que a gente estava sem condição financeira de vir antes. Mas agora pagamos a promessa”, comemorou. Em um saquinho de plástico, ela embalou os cabelos cortados. “Vamos agora na Sala dos Milagres para depositar lá.”

No subsolo do Santuário, amplos salões abrigam essas provas de fé dos devotos do Divino Pai Eterno. Milhares de fotos, cartas, objetos como muletas e prósteses, animais empalhados, relatos de feitos miraculosos, encontros quase definitivos com a morte, livramentos de acidentes. No fundo, dois grandes baús são destinados para o depósito dos ex-votos, essas provas que os fieis creditam como resultados da intervenção divina. Marta mostra uma carta escrita à mão que vai colocar junto com os cabelos da neta. “Ainda não está pronta, mas é mais ou menos isso.”

Cada uma dessas manifestações passa por triagem dentro do Santuário. “Há uma equipe responsável por esse trabalho”, informa padre Welinton Pereira, que integra a gestão da igreja. “Essa mesma triagem é feita na Matriz e com as ofertas deixadas no pé da imagem do Divino Pai Eterno.” Segundo ele, há uma rotatividade das fotos colocadas em exposição. “É difícil dizer quantos ex-votos recebemos, depende muito. Mas nossa média de cartas é de 16 mil por semana”, calcula o sacerdote. Os baús, fora da romaria, são esvaziados semanalmente e durante a festa, todos os dias.

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Expediente

Edição Multiplataforma
Silvana Bittencout, Fabrício Cardoso, Rodrigo Alves e Michel Victor Queiroz

Reportagem
Rogério Borges

Edição de fotografia
Weimer Carvalho

Arte
André Luiz Rodrigues

Design
Marco Aurélio Soares

Audiovisual
Carmem Curti
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