Um santeiro em Trindade

Um santeiro em Trindade

Três cachorros latem desesperados em um quintal habitado por santos e virgens Marias. Os pets um tanto histéricos não parecem abalar a concentração de quatro pessoas que, pacientemente, ignoram o ladrar dos cães, o calor do lugar, o movimento da rua e se dedicam a pintar, em detalhes, expressões que vão simbolizar a fé de milhares de pessoas. Na sala comercial e no terreiro que fica nos fundos, enfileiram-se centenas de peças em gesso representando Nossa Senhora Aparecida, a Sagrada Família, São Expedito, São Francisco, São Sebastião e, claro, o Divino Pai Eterno.

“Estou na festa há 27 anos”, contabiliza o dono do lugar, que também tem nome de santo, Benedito Donizete Alves. “Mas pode me chamar de Donizete Santeiro”, informa. Sim, em Trindade, nas lojas de produtos religiosos, seu nome é conhecido. Ele é um dos fornecedores desse mercado que nos dias da romaria é um dos mais movimentados. Dezenas de bancas e barracas disputam a preferência com imagens de todos os tamanhos e feitios. Muitas delas vêm de fora – de outros estados e até do exterior, dando conta de uma produção em série –, mas uma parte é fabricada na própria cidade.

Um desses artesãos é Donizete Santeiro. “Eu aprendi sozinho. Sou autodidata”, diz. Vendo outros fazerem o trabalho, ele assimilou a técnica. “Quando comecei, a festa de Trindade não tinha esse tamanho, não havia fabricantes aqui.” Ele não revela quantas imagens saem de sua fábrica caseira, mas atesta que a produção aumenta em cerca de 50% nos meses que antecedem a celebração ao Divino Pai Eterno. “No restante do ano, eu atendo três estados, além de Goiás. Levo minhas peças para Tocantins, Mato Grosso e Minas Gerais. Também faço muito a Festa do Muquém.”

O sistema de produção de Donizete é rústico, mas muito eficiente. Usando formas de silicone (para os produtos pequenos) e borracha (para os de maior dimensão), ele molda em gesso as peças, o que exige paciência e um pouco de força também. “A gente enche a forma e vai manuseando para o gesso grudar direito. A gente fala que está passando a peça na perna”, explica, sentando-se e manejando com destreza a forma, em movimentos ritmados. Esse processo dura cerca de meia hora. Depois, aguarda secar e desenforma. São retirados os excessos e chega o momento da pintura.

“A gente usa tinta automotiva para o manto, algumas partes da pele. Em seguida, vai para o pessoal dar os detalhes finais. Pintar olhos, os cabelos, as sobrancelhas”, aponta. Nesse momento, um outro tipo de tinta, geralmente à base de purpurina, é usado. O segredo está na moldagem da forma, que dá os contornos principais às imagens. Donizete e sua equipe ocupam-se de todas as etapas e vendem as peças por preços bem menores do que aqueles praticados nas lojas. “Aqui, uma imagem que vendo sai por 35 reais, mas há comerciantes que revendem até por 200.” Santo lucro!

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Expediente

Edição Multiplataforma
Silvana Bittencout, Fabrício Cardoso, Rodrigo Alves e Michel Victor Queiroz

Reportagem
Rogério Borges

Edição de fotografia
Weimer Carvalho

Arte
André Luiz Rodrigues

Design
Marco Aurélio Soares

Audiovisual
Carmem Curti
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