Ela não desiste do otimismo

Cinthya Christiane Fernandes - 44 anos - Foi para UTI com Covid

A comerciante Cinthya Fernandes foi para a UTI com Covid, perdeu sua mãe para a doença e teve toda a família contaminada, mas se apega à fé para manter uma visão positiva da vida

Em julho do ano passado, a família da comerciante Cinthya Christiane Fernandes não tinha ideia de que estava prestes a viver semanas de muita incerteza, dor e medo. Mas, numa sexta-feira daquele mês, Maria de Souza Fernandes, com dores na coluna, procurou atendimento médico. “Onde fizemos a triagem, logo a nossa frente, um paciente foi encaminhado para uma tomografia por suspeita de Covid. Minha mãe foi atendida ali, naquele mesmo lugar. E depois eles ficaram aguardando no mesmo ambiente”, conta a filha Cinthya. “No domingo, eu já senti um arranhado na garganta, na segunda um pouco de coriza."


Na quarta, a comerciante já estava sem paladar e na sexta-feira, uma semana depois do que ela acredita ter sido o momento do contágio, fez uma tomografia, que constatou que seus pulmões já estavam 20% tomados pelo vírus da Covid. Em seguida, veio a falta de ar e a saturação do sangue havia caído a 83%, quando o normal é acima de 95%. “Eu achava que não internaria, tentei ser resistente”, lembra. Mas quando conseguiu uma vaga em Goiânia, os pulmões já estavam 75% tomados e Cinthya foi encaminhada para uma UTI. Moradora de Trindade, ela primeiro foi para Aparecida de Goiânia, até ser internada na capital.


Enquanto isso, sua mãe, que começou a apresentar sintomas dois dias depois dela, também via seu quadro agravado. Hipertensa e com sobrepeso, o estado de dona Maria se deteriorou rapidamente. Não demorou para que as duas estivessem em UTIs na mesma unidade. “Nós não nos víamos, mas eu sabia que ela também estava ali, no quarto ao lado. Até conseguimos mandar mensagens por meio das enfermeiras.” Cinthya ficou cinco dias ali - “os piores da minha vida” -, mas dona Maria não saiu de lá com vida. Depois de 22 dias, uma superbactéria, que ela pegou já quando estava traqueostomizada por conta da Covid, a matou.


“É tudo muito difícil. Na UTI, você usa fralda, fica num lugar fechado, olhando para uma parede, sem contato com ninguém a não ser com a enfermeira”, testemunha. “É colocada uma máscara que precisa ser posta com jeito, senão você entra em pânico. Mas minha mãe foi intubada, algo que não aconteceu comigo.” Quando Cinthya se contaminou, seus dois filhos mais novos, Pedro Augusto (10 anos) e Henrique (5 anos) também pegaram Covid. Já no dia da missa de sétimo dia da mãe, foi a vez de sua irmã, Samara, adoecer com o vírus, com quase 50% dos pulmões comprometidos. Em seguida, foram o marido e o primogênito, João Vitor, de 15 anos.


Um verdadeiro tsunami, do qual Cinthya consegue tirar lições positivas. “Eu senti que tudo sai de nosso poder. A gente acha que tem domínio sobre a vida, mas não temos. Eu me sentia incapaz”, diz, recordando os dias na UTI. “Por que a gente precisa passar por isso, perguntava a Deus. Sou evangélica e creio muito na parte espiritual. Acho que aquela experiência me deu um exemplo do que é o inferno, para eu ter uma mudança de vida, de valores, para eu poder tentar fazer as coisas certas e ir para o céu”, alega. “Aprendi a valorizar as pequenas coisas, a deixar de picuinhas, de bobagens, seja na vida familiar, seja com outras pessoas”, acrescenta.


“Dou muito valor ao hoje, não consigo mais fazer planos a longo prazo. Até com alimentação eu mudei. Já perdi 6 kg depois disso”, comemora. Seu marido, que se chama Doval em homenagem ao jogador tricampeão do mundo em 1970, tem uma loja de autopeças e fica, com razão, inseguro diante dos rumos erráticos que a pandemia obriga a economia do País a tomar. “Sei que ele fica tenso, que o cliente some, mas digo para cuidarmos do agora”, relata. “Sou otimista. O que mais aconselho hoje é que as pessoas exerçam o perdão. Nada acontece se não for da vontade de Deus.”


Ela diz isso porque, doze anos e meio atrás, outra tragédia passou, raspando, por sua família. Durante uma reunião familiar, seu marido, que tinha uma caminhonete, saiu para comprar produtos para a festa. Ao dar marcha à ré no veículo, ele acabou atropelando o filho mais velho do casal, então uma criança com menos de 3 anos de idade. “Ele sentiu que passou por cima de algo, mas não viu o que era. E levou a caminhonete para a frente de novo. Ou seja, passou por cima dele duas vezes.” Levado ao hospital, o menino tinha apenas um hematoma. “Os médicos disseram que não entendiam como ele não tinha nenhum ferimento grave.”


Agora ela cura não só a ferida da perda da mãe. A do pai também. Em dezembro de 2019, o carro onde estava o senhor Juarez Fernandes foi atingido quando passava por um trevo perto de Trindade. “Ele tinha 77 anos e era saudável. Resistiu quatro dias na UTI”, descreve Cinthya. Tantas dores, porém, lhe trouxeram ainda mais motivos para continuar com fé. “Uma campanha de oração foi feita em Trindade quando eu estava internada. Eu me senti muito amada. Sempre quero ver o lado bom das coisas. Estou fazendo terapia. Minha psicóloga diz que eu ainda não vivi o luto. Mas não adianta ficar triste. Minha mãe sempre teve um sorriso no rosto.”

Expediente

Edição Multiplataforma
Silvana Bittencout, Fabrício Cardoso, Rodrigo Alves e Michel Victor Queiroz

Reportagem
Rogério Borges

Fotos, Vídeo e Edição
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