Da simplicidade e romantismo, como no Anápolis, campeão de 1965 e que pagava um salário mínimo à maioria do elenco, à revelação de talentos e negociações milionárias, como as de Bruno Henrique, Carlos Eduardo, Michael (Goiás) ou de Fábio Lima e Gil (Atlético). São pontos extremos do Campeonato Goiano, que teve erros e acertos, virtudes e defeitos ao longo dos anos. Do amadorismo, no início (1944), passou à profissionalização de atletas (em 1962). Viveu algumas fases de bons púbicos, especialmente a partir da inauguração do Serra Dourada (1975), mas vê a necessidade de atrair a torcida de novo. Esse é um dos desafios, na visão de personagens que fizeram história no Goianão por cada um dos 12 clubes que disputarão o título do torneio, a partir de quarta-feira (22). A expectativa é que, por causa da presença de Atlético e Goiás na Série A nacional, a rivalidade local fique mais apimentada já no Estadual e que melhore o nível técnico do torneio.
“O Atlético está formando um bom plantel. Tem orçamento menor (que o Goiás), mas sabe disputar assim. Acho que será uma competição forte, entre os dois, neste ano. Começa no Goiano, entra no Brasileiro”, prevê Juninho, ex-atacante que fez gol decisivo no torneio e despontou, em 2007, após boas atuações no Itumbiara. No ano seguinte, chegou ao Atlético. Fez história no clube e sabe que o Dragão faz boas temporadas quando começa forte no Goianão. Juninho fala da empatia que um título cria, entre clube e torcida, como na final com o Goiás (2014). “A torcida do Goiás festejava. Fizemos gol (Lino), aos 47 ou 48 minutos. Marcante. O campeonato e um time, para serem fortes, precisam de emoção, jogos bons, como aquele. Ai, a torcida vai aparecer”, opinou o ex-jogador do Dragão.
Para Juninho, o Estadual precisa apresentar atrações, bons espetáculos e artistas que possam proporcioná-los - no caso, jogadores de qualidade. Mas, para tê-los, é necessário ter capacidade de investimentos, recursos financeiros, o que a maioria não tem. Organização, boa gestão e melhoria da estrutura dos clubes são apontados, além da segurança e conforto nos estádios. Além disso, carinho e chances aos jogadores da base ou até mesmo oriundos da várzea.
É o que sugere Zé Luiz, ídolo do Vila Nova no fim da década de 70 e início dos anos 1980, na lateral e zaga. “Tinha muita qualidade técnica. Bons jogadores apareciam na várzea. Então, chegavam aos clubes. É só pegar o exemplo do nome mais badalado no futebol goiano. Michael começou na várzea, passou por campinhos de terra, mas lutou para ter uma chance. É preciso que os clubes voltem a ter olheiros para buscar esses talentos e lapidá-los”, aconselha o ex-jogador. E, segundo ele, Goianão para ser bom tem de ter time bom do Vila, por causa da torcida. “Vamos para 15 anos sem o título (Estadual).
Nossa torcida perdeu a esperança. Não vai. E, quando o vila tem time bom, é casa cheia na certa”, diz Zé Luiz.
O Estadual 2020 terá o Vila em reformulação e a ausência do Itumbiara, praça de bons públicos no Estádio JK. Do título inédito (2008), o tricolor amargou descenso, ano passado. Entra outro item, na ordem do dia, para que o Goianão possa se fortalecer. “Os clubes do interior precisam se estruturar mais para investir. Quando há time forte, no interior, pode ver que torcida vai junto. No Crac (2004), o povo abraçou a equipe”, lembrou o ex-goleiro Helder, heroi do segundo título do Crac na elite - o primeiro foi em 1967. “A torcida faz falta nos estádios. É preciso fazê-la voltar. Deveria ter trabalho mais forte, em conjunto, para fortalecer o futebol no interior, também”, enxerga o ex-goleiro.
Colega de posição de Helder, Pedro Henrique joga o Goianão, na Aparecidense, pela 7ª vez. Na década passada, o clube se estruturou, disputou título do Goianão duas vezes (2015 e 18) e, aos poucos, cria identidade com Aparecida de Goiânia. “Já temos torcida e, com ela, cobranças. Não é grande (torcida) ainda. No ano passado, fizemos campanha ruim, mas fomos muito cobrados pelos torcedores. Antes, não havia isso”, disse o goleiro, citando que moradores de Aparecida torcem por clubes da capital ou de outros Estados, mas que é possível de ser revertido. Mesmo que o Goianão tenha distorções, o goleiro vê pontos positivos, como a qualidade de atletas. Na final de 2015, a Aparecidense perdeu do Goiás, que tinha Erick, Bruno Henrique e Carlos Eduardo, negociados com grandes clubes e cifras elevadas.
Se a Aparecidense procura identidade, o Goiânia vê urgência de resgatá-la. Mas, envolto em problemas internos, o Galo é uma incerteza no Goianão 2020. O torneio é visto de forma especial por Finazzi, goleador do time em 1999, 00 e 01. “Fui para o terceiro recomeço de carreira. Acho que era o último. Deixei a faculdade (Engenharia Civil). Deu certo”, lembrou Finazzi, que vislumbra outro aspecto - os técnicos precisam ser mais ousados, mesmo com riscos. Segundo ele, o nível técnico dos tempos em que atuou foi algo positivo. O ex-jogador cita nomes, como Fernandão, Josué, Túlio Maravilha, Dill, Araújo, Rogério Corrêa, Danilo, Fernando Prass, entre outros, para mostrar a qualidade que o Goianão teve.
Se a rivalidade no Goianão 2020 promete repetir a dos últimos anos - Atlético e Goiás -, na segunda metade dos anos 1980 também foi assim. Rubro-negros e alviverdes fizeram jogos épicos entre 1985 a 88 - cada um ganhou duas vezes o título. O Estadual foi importante para que Uidemar se firmasse no Goiás. Em 1986, segundo ele o Goiás teve um dos melhores meios de campo da história: Carlos Alberto Santos, Uidemar, Péricles e Carlos Magno. Alto nível. "Escreve aí. A final deste ano terá os dois. Atlético e Goiás vão decidir o título", profetizou Uidemar. Ele cita outra particularidade. "O Goiás valoriza, sim, o Estadual. É o título que poderá ganhar no ano. Nas outras competições, como Copa do Brasil e Brasileiro, isso é muito dífícil. Então, tem de conquistar o Goiano", frisou o ex-jogador, lembrando que, quando o time perde a final, a conta cai no colo do técnico.
O Goiás se apresenta estruturado e forte, financeiramente. Tem condições de pagar os melhores salários. Mas há realidades distintas. Michael foi revelado no Goianésia. Jogou o Goianão em troca da vitrine. Teve ajuda de custo, à época. Agora, terá salário alto no Flamengo - no Goiás, faturava acima de R$ 100 mil mensais. Campeão em 1965, pelo Anápolis, Zezito viveu o oposto. "O jogador ganhava salário mínimo. Eu recebia 17 cruzeiros, pagava 6 de aluguel. Sobravam 11 (cruzeiros). O futebol mudou muito. Na minha época, os clubes do interior eram fortes. Agora, estão enfraquecidos", comentou Zezito, que puxava filas de treinos físicos, geralmente sob comando do técnico. Era a chamada "física" dos atletas. "Hoje, é muita preparação física. O futebol evoluiu nisso, mas perdeu em técnica", comparou o ex-jogador, 55 anos após do título mais importante do Anápolis que, em 1965, coincidiu com fato marcante no futebol anapolino - a inauguração do Estádio Jonas Duarte, onde o Galo e Rubra disputaram decisões contra clubes da capital.
Nessa história, aparece Ney Ladeira, clássico camisa 10 da Anapolina em tempos de craques na maioria dos clubes. "Para jogar no Goiás, naquela época, era preciso ter o nível de um Luvanor, Cacau, Carlos Alberto, Washington, Zé Teodoro", ressaltou o ex-jogador da Xata. Sobre a década de 1980, Ney diz que a estrutura era semiprofissional, foi se aperfeiçoando fora de campo e evoluiu. Mas os problemas não cessam. "O campeonato (2020) vai começar, mas temos Anapolina e Goiânia no meio de muitos problemas. É uma prova de que ainda há amadorismo", criticou.
O terceiro representante de Anápolis é o Grêmio, que não tem torcida, mas trouxe ao Goianão o projeto de clube-empresa, capitalizado por investidores de Portugal. Começou em Inhumas - o gerente era o presidente do Atlético, Adson Batista - mas se mudou pra Anápolis, em 2006. Como meta, descobrir e exportar atletas ao futebol português. "O clube, os donos, sabem que há bons jogadores na 1ª Divisão goiana. O campeonato é bom. Falta investimento dos clubes em estrutura, mas é interessante", definiu Edson Júnior, que trabalhou no clube por mais de uma temporada, na elite e Segundona.
Se o Grêmio é voltado ao mercado, o Goianésia tenta se firmar nele para ser forte no futebol goiano. História e mídia o Goianésia obteve, com sobras, no Estadual. O Prêmio Puskás, no belo gol de Wendell Lira (2015, sobre o Atlético), tirou clube do anonimato. Michael virou personagem do Azulão (2017), e Nonato, lenda. Gostou tanto do Campeonato Goiano, e do Goianésia, após gols e artilharias. "É uma competição interessante. Em Goianésia, a torcida costuma encher o estádio (Valdeir José de Oliveira). O jogador gosta. Mas (campeonato) precisa ter mais atrações, jogadores que possam chamar a torcida", observa Nonato, contando que o Estadual, nos tempos dele de futebol goiano, teve Anaílson, Túlio Maravilha, Araújo, Márcio, Romerito e outros ex-jogadores de renome.
A consolidação de um clube que chega à elite, como o Iporá, foi desafio do técnico Everton Goiano, em 2017. "Concorrido. É assim que defino o Campeonato Goiano", disse o treinador, hoje no Real Ariquemes (RO). Ele usou de boas informações e contatos para apostar em atletas desconhecidos. Um deles, Júnior Brandão - a melhor negociação do Atlético nos últimos anos. Também apostou na recuperação do meia Elias, em 2018. "O nível técnico dos times tem melhorado, mas pode melhorar ainda mais. Espero que isso ocorra e que o campeonato seja equilibrado", comentou Everton. O Iporá perdeu a condição de "caçula" para o Jaraguá, clube mais antigo em atividade no futebol goiano, mas que só agora chega à elite. "O campeonato tem visibilidade. Ainda mais, agora, que terá Goiás e Atlético na Série A. O jogador, ao ser procurado, pensa nisso, no calendário, nos jogos que poderá disputar", analisou Frontini, que foi decisivo ao Jaraguá na campanha do acesso e do título da Divisão de Acesso, ano passado.