Goiânia 89 anos: de capital do sertanejo a hip hop como patrimônio
Diversa, plural, jovem e com o frescor de um cenário musical fervilhante, Goiânia se destaca a nível nacional. G1 Goiás e o O Popular publicam uma série de reportagens especiais sobre os 89 anos da cidade.
Por Michel Gomes e Ton Paulo, g1 Goiás e O Popular
Nas ruas, nos bares e em todo canto de Goiânia, uma característica é sempre presente, a música. Ela vem como forma de expressão popular, protesto e até mesmo diversão. Os ritmos correm nas veias da cidade e tornam Goiânia, não só a capital do sertanejo, mas uma capital plural e berço cultural, que transformou, inclusive, o hip hop como patrimônio cultural imaterial neste ano.
Para celebrar a capital, o g1 Goiás e o O Popular publicam uma série de reportagens especiais sobre os 89 anos de Goiânia. Diversa, plural, jovem e com o frescor de um cenário musical fervilhante, a capital deslancha e se destaca a nível nacional com artistas de todos os estilos.
Nomes clássicos do sertanejo, como a eterna Marília Mendonça, o embaixador Gusttavo Lima e Leonardo exportaram a cultura goianiense. Mas a música, que se reinventa a cada instante, cumpre um papel importante em forma de expressão, e dá voz a jovens, adultos e crianças, para compartilhar a cultura da capital.
Agora, novos nomes disputam um lugar na cena cultural e mostram outras vertentes da música goiana ao mundo. Do funk ao rap, para provar que nem só de modão vive Goiânia. Um exemplo é o funkeiro MC Jacaré, que tem mais de 4,5 milhões de ouvintes mensais no Spotify.
Ele é um pequi “do” Goiás
Vento Forte e Pequi do Goiás são alguns dos vários hits do funkeiro MC Jacaré (Foto: Reprodução/Instagram)
Dancinhas, letras que ficam na cabeça e batidas envolventes, está aí a fórmula para viralizar um hit nas redes sociais. Mas o goiano Pedro Henrique Mendes, de 19 anos, o MC Jacaré, adicionou um elemento goiano que deixou sua marca: o pequi.
A letra de “Morango do Nordeste”, se tornou “Pequi do Goiás” na voz do MC, que levou a goianidade famosa no prato, para a música. Não é só o hit que faz sucesso, várias de suas músicas já viraram “trend” e o MC atribui parte do sucesso à escolha de representação goiana.
Depois do pontapé e do primeiro hit de sucesso em 2019, Jacaré conquistou o público com bom humor na internet e músicas dançantes. Sua música mais famosa, “Comprei um lança” tem mais de 100 milhões de reproduções no Spotify.
Nascido e criado no Setor Urias Magalhães, MC Jacaré vem de um berço que sempre ouviu sertanejo, mas foi no funk que ele se encontrou. O cantor contou que chegou a pensar em ir para o estilo tradicional, mas preferiu navegar nas vertentes do funk, como o eletrofunk, que adiciona o deephouse ao estilo.
“Eu amo sertanejo, toco viola, toco violão, gosto demais de modão, mas produzir sertanejo é um investimento mais caro. Agora, no funk, por exemplo, eu tenho uma música que tem 100 milhões de visualizações e eu gravei a voz no celular. Além da facilidade de produzir, eu também gosto demais de funk. Hoje em dia não tem como você ir a uma festa e não tocar funk, né?”, contou.
Trabalhando profissionalmente com música desde 2019, MC Jacaré já demonstrava tendências artísticas desde criança (Foto: Arquivo Pessoal/MC Jacaré)
Apesar do sucesso repentino, Jacaré conta que no início não teve suporte.
Jacaré acredita que a cena do funk e do eletrofunk na capital está em ascensão, surgindo principalmente nas periferias. Com letras de protesto ou mesmo de histórias de rolês, o segmento ganha força na capital. Diferente de quando ele começou.
“Aqui em Goiânia tem muito artista bom. Quando eu comecei, eu me sentia muito solitário, porque eu não tinha uma referência para caminhar. Agora, nós estamos trabalhando para mostrar que aqui não é só sertanejo, mesmo nós amando sertanejo, aqui é funk, eletrofunk, rap, hip hop, tudo”, fala.
Com um estúdio montado em casa, Pedro, o MC Jacaré, compõe e produz suas próprias músicas (Foto: Michel Gomes/g1)
Uma prova de que o cenário mudou é que, para se inspirar, agora o Jacaré não foge de Goiás. O cantor diz que consome produções de artistas goianos no dia-a-dia. Nomes como DJ Low, Wambaster, MC C4 não faltam na sua playlist.
Apesar do sucesso, o cantor diz que já enfrentou preconceito, por conta do estigma de que Goiânia é a terra do sertanejo. “O pessoal que não tá ligado no que tá acontecendo no cenário do funk fala: ‘Ah, não é terra disso’, mas tá sendo, tá vindo muita estrela, muito artista bom, muita música boa de Goiânia”, desabafou.
Entre perrengues e hits, Jacaré tem uma boa visão para o cenário goiano no futuro. Os 19 anos de idade e pouco mais de 3 de carreira, ensinaram alguns princípios para o jovem, que acredita inspirar as pessoas.
No beat da ascensão
Multiartista musical, Inà vê em Goiânia um “cenário lindo” para o hip hop e o rap (Foto: Arquivo Pessoal/Inà Avessa)
Representatividade, união e beleza. São alguns dos termos que, segundo Inà Avessa, de 26 anos, podem definir bem o hip hop. Uma das apresentadoras da rádio Moov, de Goiânia, Inà é multiartista focada em música e vídeo e se considera uma filha das batalhas de MC da capital. Para ela, o hip hop se firma em todos os cantos do mundo como uma cultura de resistência, e na capital goiana não é diferente.
Inà trabalha com o hip hop desde 2015. Ela pontua que o gênero nasceu como um meio de “evitar brigas de contato físico e transferir essas batalhas para o campo ideológico, das artes e da dança”. De acordo com a artista, essa cultura musical passa pelo respeito, pelo quesito “ouvir o outro”, mas apesar de ter familiaridades, difere do rap.
“Muitas pessoas costumam confundir o ritmo rap com o hip hop, mas o hip hop passa pelo break, passa pelo DJ, pelo grafite e pelo rap”, afirma ela, que diz perceber um cenário de expansão do gênero em Goiânia. “Acho que tem artistas muito potentes, muito poéticos, que absorveram de uma maneira ou de outra essa melancolia que a gente tem natural na nossa história artística”, finaliza.
Inà Avessa encontra nas rimas do hip hop uma forma de se expressar artisticamente (Foto: Arquivo Pessoal/Inà Avessa)
A jovem se destaca por suas rimas de peso e também por ser uma mulher que se sobressai em um espaço que, conforme ela, é composto em sua maior parte por homens. Apesar disso, Inà garante que sempre se dedicou para ser reconhecida não como uma “mulher no hip hop”, mas como uma artista com boas rimas.
“Eu venho das batalhas de MC e elas são um universo majoritariamente masculino. Dentro desse processo, eu já experienciei muitas coisas que me apontavam como mulher, mas sempre fiz questão de trabalhar muito a minha rima a ponto de ser vista somente como uma rimadora”, diz, chamando atenção para o fato, porém, de precisar ser “três vezes melhor” para atingir a mesma validação de um homem nesse meio.
Para Inà, hip hop é a representação dos sentimentos de união e resistência de um povo (Foto: Arquivo Pessoal/Inà Avessa)
Para Inà, o cenário alternativo goianienses que vai do hip hop ao rap é um mundo de portas abertas para quem quiser chegar. No entanto, a jovem ressalta: é preciso ter consciência de que, muito além de rimas jogadas no ar, esses gêneros abarcam um senso de identidade que deve ser compreendido.
“Todas as pessoas que querem participar são bem-vindas, mas é muito importante que elas conheçam a cultura e se esforcem para isso. Porque essa é a mágica da coisa. Não é só a música, a dança, só aquela experiência artística. É você trazer para si um pouco dessa trajetória, dessas vivências, que é uma escola, como muitas pessoas costumam dizer, para você lidar com o mundo e se reconhecer como parte da sociedade”, finaliza.
Glitter e música
Para Kira, não é fácil ser drag queen e cantora na capital goiana, mas seu trabalho tem trazido bons resultados (Foto: Divulgação/Micaell Rodrigues)
Maquiagem, performance e muito close, surge aí uma forma de expressão e representatividade forte na cena alternativa LGBTQIAP+ em Goiânia. A arte drag. Botando a cara a tapa e enfrentando o preconceito, a cantora drag Kira Spirandelli é um dos nomes em ascensão na capital. Por trás da personagem, está o publicitário Tharyc Matheus, de 23 anos, que desde 2019 vive Kira. Mas viver Kira, na prática, começou antes.
“A minha carreira como drag vem de muito antes de eu me entender como drag. Sempre gostei muito de cantar, nasci em um lar evangélico e cresci dentro da igreja me aperfeiçoando. Aprendi cantar, tocar violão e teclado. Minha mãe viu esse talento, aí comecei a fazer balé em um Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). Dali fui para uma escola profissional de balé e continuei até os meus 22 anos”, explicou.
Após anos de estudo, é na noite goianiense que Tharyc se transforma. Horas de maquiagem e muito ensaio mudam a feição, os trejeitos e tiram Kira do interior do jovem e leva para às ruas e boates. Por onde passa, chama atenção. Pessoas cumprimentam, abraçam e comentam sobre shows e músicas.
Kira Spirandelli, nome drag de Tharyc Matheus, impressiona na noite tanto pela voz afinada quanto pelos looks arrojados (Foto: Divulgação/Micaell Rodrigues)
Para provar o que Kira diz, basta frequentar baladas alternativas. As drags estão por todo canto e continuam ganhando espaço. Elas estão integradas à cena alternativa da capital e mostram as faces de uma arte que tem nomes famosos à nível nacional, como Pabllo Vittar e Glória Groove.
Kira agita o públicos de seus shows ao cantar músicas de sua própria autoria, como é o caso de Empina e Para (Foto: Divulgação/lorapicture)
Com músicas escritas por ela e também performances de outros nomes famosos, a cantora vibrou o público. Sob as luzes dos holofotes, Kira apresentou seu popfunk, estilo que escolheu para trilhar o caminho da fama.
“Mesmo gostando muito de sertanejo, aqui em Goiânia eu não me vejo muito nessa forma de cantar. Eu queria uma coisa mais comercial, mais popular, para eu tentar alcançar mais pessoas com o meu trabalho. Eu tenho três músicas autorais lançadas nas minhas plataformas e tem alguns feats”, disse.
Cantora drag Kira Spirandelli se apresenta na noite de Goiânia (Foto: Divulgação/Micaell Rodrigues)
Escrever músicas, para a cantora, é uma forma de colocar no papel os seus sentimentos. Desde a infância, na periferia de Goiânia, Kira, vive a música. Hoje, ela a associada à realidade do artista que canta.
“A música tem um papel extremamente importante para as pessoas da periferia. Ela conseguiu me tirar de lugares que eu estaria enfiado de uma forma drástica. Não digo que 100% das pessoas que fazem música é por isso, mas como a minha realidade é em uma periferia, eu poderia estar fazendo coisas que não me agregariam muito valor”, pontuou.
Batalhando todos os dias e se colocando a prova, Kira tem um objetivo: inspirar outros goianienses.
“Corram atrás. Mesmo a cena sendo ainda muito fechada nesse quesito do sertanejo, tem muito espaço, existem lacunas muito grandes que são lugares que a gente deve ocupar. Não é fácil, não vai ser do dia para a noite, mas é com muito trabalho", falou.
Retratos da realidade
Para o DJ e rapper Tobeats, fazer rimas e mixar músicas se distinguem na forma de fazer música, mas têm um único objetivo: inspirar o público (Foto: Divulgação/Tobeats)
Longe de serem apenas meros gêneros musicais, o rap e o hip hop são filosofias de vida e retratos de uma realidade. É o que afirma Tobeats – nome artístico de Pedro Tobias -, um rapper de 28 anos que tem em Goiânia as raízes e inspirações para suas músicas. O jovem, que também é DJ e produtor musical e cultural, teve o primeiro contato com esse universo ainda criança, através de grupos evangélicos que viam nas batalhas de rimas um jeito de expressar suas vivências e protestos.
Tobeats é beatmaker, uma espécie de “produtor de batidas”, desde 2014, mas sua ligação com a música vem muito antes disso. Nascido no Setor dos Afonsos, em Goiânia, o rapaz revela que aos 5 anos de idade já se impressionava com a arte que pulsava o sentimento das ruas.
“Eu, molequinho, já via os caras dançando break. Achei cabuloso e já foi uma coisa que criou uma identificação muito forte comigo, com a cultura preta”, conta Tobeats, que revela que chegou a formar um grupo de rap com um amigo dentro da igreja pentecostal frequentada pela família em Goiânia. “Esse amigo meu, o Charada, depois de adulto montou um grupo de rap também”, pontua.
Segundo Tobeats, a partir do primeiro contato com o mundo do rap e do hip hop, a paixão por esses gêneros só cresceu. Influenciado por grupos e artistas de Goiânia, como o Face a Face, Lethal Kalongi, VMG, Kaverna Man e Relatos da Leste, e nacionais, como o premiado Apocalipse 16, o rapaz passou a fazer seu próprio som, criando rimas como rapper e mixando batidas como DJ – duas atuações, de acordo com ele, se distinguem, mas interagem entre si.
“Como rapper, você pode acabar sendo um instrumento de transformação, de revolução, como você pode ser simplesmente alguém que entretêm [...]. Como DJ, você é um curador, porque você tem todo um trabalho de pesquisa. Apresentar coisas novas para as pessoas, eu acho que é um dos pontos mais massas, na minha concepção”, descreve.
Tobeats teve o primeiro contato com o rap e hip hop dentro da igreja, e desde então, a música tem sido sua realidade (Foto: Divulgação/Tobeats)
Tobeats diz que, ao começar a carreira, pegou o rap em Goiânia “bastante difundido”, em uma trilha pavimentada por vários outros artistas. Ele acredita que o gênero ainda não tem a visibilidade e o incentivo que deveria na capital, mas que a mensagem que ele traz e o talento dos artistas têm trabalhado para que esse cenário melhore cada vez mais.
“Eu sempre vi o rap como algo representativo mesmo, uma voz importante da quebrada [...]. Ainda é um bagulho muito nichado, mas eu percebo que isso está caminhando progressivamente. Eu vejo que ano após ano isso tem melhorado, o rap tem tomado espaço de protagonismo em lugares que antes não tinha. Ainda não rompeu a bolha, mas está chegando lá”, conclui.
Empoderar e cantar
Maaju marca por seu visual rebelde e músicas autorais, entre elas ‘Caminhas’, gravada em parceria com a DJ e cantora Anarkotrans (Foto: Divulgação/Micaell Rodrigues)
Momentos, vivências e retratos da realidade. Esses são itens presentes nas letras da cantora Maaju, de 25 anos. A goianiense, que cresce na cena underground de Goiânia, trabalha com um álbum de pop "Sad Bitch", recém lançado com músicas autorais.
Com um estilo marcante de roupas, cabelos e maquiagem, Maaju se destaca e destoa da cena sertaneja, forte na capital. Com os primeiros passos da carreita traçados pelo rock e pela MPB, o pop (ainda com traços de rock), é o que faz a jovem brilhar, mesmo com os percalços.
Cantora Maaju diz que expressa nas roupas parte do que pensa (Foto: Reprodução/Instagram Maaju)
Mas há quem se destaque na capital. Destes nomes, Maaju se inspira em mulheres, como a DJ e cantora Anarkotrans. O sucesso percorre na cena, mesmo a passos lentos, o que, na visão da artista, se dá pela falta de oportunidades.
“Pelo menos no meio underground, acho que falta valorização do nosso trabalho. A galera dá muito valor para os artistas de fora e os artistas fodas que tem em Goiânia, a galera não olha muito e não enxerga. Falta oportunidade. O resto a gente dá um jeito e faz”, analisa.
De grãozinho em grãozinho, como define a cantora, o cenário underground da capital deslancha no país. Maaju acredita que, em breve, mais nomes de Goiânia vão brilhar a nível Brasil.
Para se destacar, Maaju crê que é preciso inspirar. Mulher, apoiadora das causas LGBTQIAP+ e um nome forte no público alternativo de Goiânia, a cantora diz que esse é o seu principal papel, empoderar.
Mas, para Maaju, esse papel, não é só dela. “Nosso trabalho é sobre isso. Artista que não inspira ele não está fazendo nada, ele tem que se prestar a esse papel. Nosso papel é inspirar e encorajar outras pessoas e falar que isso aqui é possível se você trabalhar e não desistir”, acredita.
Para Maaju, foco e trabalho duro são características indispensáveis para um artista musical em Goiânia (Foto: Reprodução/Instagram Maaju)
A estrela coloca em suas músicas a sua posição política, o que pensa e leva isso para o seu público em shows. Inclusive, em uma apresentação recente no Festival Vaca Amarela.
“A música da Maaju é protesto. A música da Maaju é sentimento pra caramba. A música da Maaju é cada momento que ela está vivendo, cada pessoa que ela conhece. Eu procuro transformar tudo em arte. Sentimentos bons, sentimentos ruins, eu acho que passa por esse filtro da arte e se encontra em um lugar melhor para mim”, explicou.
Perguntada sobre o que é música para ela, Maaju é simples e direta.
Das quebradas as paradas
Para Carlos Brandão, conceito de que artista goiano precisa deixar o estado para fazer sucesso está ultrapassado (Foto: Michel Gomes/g1)
Aos 72 anos, o jornalista, compositor e produtor cultural Carlos Brandão é incisivo ao afirmar que Goiânia é, hoje, a capital do rap e que o que não faltam são talentos desse gênero “escondidos” por aí, esperando para serem descobertos.
“Tem muita menina e muito menino compondo coisa maravilhosa. Se tiver paciência de andar atrás, de pesquisar. Quando eu falo o rap goiano, eu englobo todo mundo no rap, que eu acho que hoje o grande mercado alternativo da cidade são os sons, rap, trap, funk, criados nas quebradas, nos bairros periféricos [...]”, diz ele.
Carlos Brandão tem em sua trajetória um pedaço da história de Goiânia. O jornalista já dirigiu grandes centros culturais e artísticos da capital como o Martim Cererê, Teatro Goiânia e Goiânia Ouro, estando por décadas à frente de grandes e importantes projetos.
Antes usada como reservatórios de água, estrutura do Martim Cererê virou “templo” da música alternativa em Goiânia (Foto: Reprodução/Ary Alencastro Veiga Filho)
Brandão é um dos nomes por trás da 11ª edição do Festival Goiânia Canto de Ouro, evento que engloba, além do sertanejo, gêneros como MPB, samba, pagode, rap, trap e pop rock. E são exatamente esses estilos musicais que, para o produtor, têm colocado a capital goiana em uma posição de “incubadora” de novos artistas.
O produtor acredita que parte majoritária dos novos talentos de gêneros musicais considerados como “alternativos” vem de uma realidade marginalizada de Goiânia e que usa a arte para expressar suas experiências.
“Eu acho que os grandes compositores de rap, trap, funk, no hip hop mesmo são de quebrada. Não todo mundo, mas 90% é de quebrada, graças a Deus [...]. O discurso que eles colocam na poesia tem muito [a ver] com o cotidiano. Não só aqui. Racionais, quando começou, falou sobre a realidade da quebrada’, completa, ao defender também que é na poesia que o jovem de periferia encontra alternativa à criminalidade.
Inà trabalha com música desde 2015, mas sua paixão pelo hip hop e rap vem de muito antes (Foto: Reprodução/Instagram)
Brandão cita alguns nomes de destaque no cenário musical alternativo de Goiânia, que vão do rock, passando pelo rap até chegar ao funk, tais como Boogarins, Carne Doce, Tubarão, Pikeno, Violins, Luanna Angélica, VH – O Escrivão, Inà Avessa, entre outros. E segundo ele, cada vez mais essa nova geração têm recorrido à internet para romper as barreiras e levar sua música de Goiânia para o mundo.
“Eu tenho uma visão de mercado, de sucesso muito diferente disso que era antigamente. Minha geração da MPB tinha que atravessar e ir fazer sucesso em São Paulo, no Rio. Hoje dá para fazer sucesso daqui, usando as armas que a internet oferece. Um garoto, hoje, daqui ele faz o sucesso dele”, arremata.
Festivais
Palco do festival Villa Mix de 2019, em Goiânia (Foto: Divulgação/Alisson Demetrio)
Famosa por receber festivais gigantes, como o Villa Mix, Goiânia também é pioneira nos eventos alternativos. Não faltam exemplos, do Vaca Amarela, Bananada, com artistas de MPB, trap, hip hop e pop, e Hipnótica, com as raves, ao Goiânia Noise, que reúne artistas do rock nacional e até internacional.
O jornalista Leonardo Razuk, de 50 anos, é um dos criadores do Goiânia Noise, que completou 26 edições em 2022. Por meio da produtora Monstro, desde 1998, ele trabalha no lançamento de discos e artistas no cenário nacional. E foi pela Monstro que o rock goiano ascendeu no país, desde 1995.
Em 1995 o rock já existia em Goiânia, é fato, mas na visão de Leonardo, não existia visibilidade e profissionalismo tão grande como existe hoje na cidade. O berço do sertanejo despontou também no Brasil com o estilo que tem seu público fiel desde a criação.
Cartaz de divulgação do primeiro Goiânia Noise da história, realizado em maio de 1995 (Foto: Michel Gomes/g1)
Em termos de festivais, o Goiânia Noise pode ser considerado pioneiro, para Leonardo. Não só em Goiânia, mas no país. O jornalista avalia que, depois do evento, começaram a surgir nomes tradicionais como o Vaca Amarela e o Bananada.
“O Goiânia Noise foi o que marcou um território, um ponto, uma chave que deu início a muita coisa. Foi pioneiro não só em Goiânia, mas inspirou cenas em outras cidades também, acabou inspirando o surgimento de festivais em Cuiabá, Palmas e Rio Branco. Cidades que viram que era possível fazer festivais e eventos de rock fora do eixo Rio/São Paulo, que era onde acontecia até então”, avalia.
A criação do festival foi inserida em um contexto do crescimento do rock brasileiro, na metade dos anos 90. Inspirado em um festival de Campinas, São Paulo, e um evento de Recife, o Goiânia Noise foi o pontapé para a capital goiana deslanchar no mercado.
Fundador do Goiânia Noise, Leonardo Razuk vê um avanço na qualidade do trabalho de bandas e artistas de hoje, em relação à década de 90, em Goiânia (Foto: Michel Gomes/g1)
De 1995 a 2022, muita coisa mudou. Na música, principalmente. Os artistas agora têm melhor qualificação da mão de obra, de palcos e de condições para shows. Como consequência, a qualidade das bandas chega a outro patamar. Exemplos goianienses não faltam.
Ainda segundo Leonardo, um diferencial destaca os goianos no cenário musical. “O que é mais bacana da cena de goiana é que não é segmentada. Se tem três bandas, são três bandas de estilos completamente diferentes. E você pega isso em toda a cena de rock da cidade”, fala.
No mercado há quase 30 anos, Leonardo e a Monstro viveram as transformações do cenário musical em Goiânia. O jornalista vê a capital como uma cidade jovem, que recebe pessoas de várias partes do país, o que influencia a cultura da cidade e faz Goiânia ser plural e dialogar com várias linguagens musicais.
“Várias pessoas perguntam se Goiânia é a capital do sertanejo, do rock, ou não sei o que. A gente costuma dizer que Goiânia é a capital. É uma cidade plural, muito rica culturalmente. Goiânia foi criada através de um batismo cultural. Uma cidade que surgiu através da cultura. A cultura é muito presente na vida da cidade”, diz.
Prestes a completar 30 anos de existência, festival Goiânia Noise tornou-se referência no cenário da música alternativa (Foto: Reprodução/Instagram Goiânia Noise)
Mesmo com nomes fortes do cenário brasileiro, Goiânia passa por problemas comuns que outras cidades fora do eixo Rio/São Paulo também enfrentam.
“Apesar de que há ainda uma carência de palco em Goiânia, de locais para se fazer show, e a qualidade das bandas. Antes, eu não digo ruim, mas era menos profissional, era mais brincadeira. Hoje as bandas têm um nível muito mais elevado. O festival exige isso e as próprias bandas se cobram esse nível de comprometimento e qualidade”, menciona.
Olhando para o futuro, Leonardo vê uma boa perspectiva para o cenário alternativo da música goianiense, apesar da falta de oportunidade para todos.
“O futuro é muito promissor. É sempre muito promissor. A gente já teve momentos de muito público, de grandes bandas, e teve momentos em que as coisas se retraíram. Hoje, eu acho que a qualidade das bandas, a diversidade das bandas está muito boa, mas há pouco palco para as bandas”, diz.
Expressões na rua
Atração principal do evento, Marina Sena agitou o público o primeiro festival Obalalá, em maio deste ano (Foto: Divulgação/Londe Fotografia)
Começou como um projeto de pesquisa em discotecagem e virou um festival que, em sua primeira edição, reuniu cerca de duas mil pessoas. Esse é o Obalalá, festival de música brasileira nascido em Goiânia e que em maio deste ano trouxe a cantora Marina Sena e DJs de renome como Gabi Matos, Odara Kadiegi e Tata Ogan. Para o criador do festival, o DJ e produtor musical Bruno Caveira, de 40 anos, o evento é uma amostra do solo fértil que é a capital goiana para a música da cena alternativa.
Caveira é natural de Itumbiara, mas vive em Goiânia desde o ano 2000. Ele conta que o projeto Obalalá teve início em 2016, quando convidou outros DJs para tocar com ele, mas sempre com foco na música brasileira e nos discos de vinil.
No final de 2021, veio a ideia de transformar o projeto em uma festa. Porém, com a vinda de cantores e DJs de destaque do cenário goianiense e nacional, o plano inicial acabou ganhando corpo e o Obalalá transformou-se em um festival.
DJ e produtor, Bruno Caveira transformou um projeto de pesquisa em vinil em um festival que reuniu mais de 2 mil pessoas em Goiânia (Foto: Arquivo Pessoal/Bruno Caveira)
Em maio deste ano, a primeira edição fez milhares de pessoas dançarem no Centro Cultural Oscar Niemeyer ao som de muito jazz, soul, reggae, samba e uma pitada de pop, tudo misturado em um caldeirão de ‘brasilidade’. “É um festival com cara de festa. Pretendemos fazer mais edições do Obalalá, sempre em maio, e vai ser sempre nessa pegada de trazer artistas de vários lugares e misturar com os daqui”, disse Caveira, que na edição deste ano, trouxe DJs de Goiânia, Distrito Federal e Rio de Janeiro.
Além do Obalalá, Bruno Caveira também é o idealizador da Felamacumbia, uma festa itinerante de Goiânia que mescla ritmos como lambada, cumbia e afrobeat. “A gente já ocupou vários lugares, como bares e boates de Goiânia”, disse o DJ, destacando que as edições de 2022 ocorreram a céu aberto na rua 8, no setor Central, e na avenida Cora Coralina, no setor Sul.
Para Caveira, o Obalalá e a Felamacumbia, que se juntam a outros do cenário alternativo como o Vaca Amarela, Bananada e Goiânia Noise, são provas de que Goiânia tem espaço de sobra para ritmos que vão desde o samba, pop e indie até a música latina e caribenha. “Uma mistura desse Brasil profundo com a música pop que a gente tem aqui”.
Primeira Edição do Festival Obalalá trouxe Marina Sena e reuniu mais de 2 mil pessoas (Foto: Divulgação/Londe fotografia)
“Nós temos hip-hop, pop, popfunk, sertanejo, RnB... Eu acho muito rico de cultura musical aqui em Goiânia. Ainda só não conseguimos dominar a cidade, mas eu acho que estamos crescendo muito. Goiânia tem tudo para ser um polo para as novas formas de música e arte que estão surgindo””, acredita Kira.
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Reportagem
Augusto Sobrinho, Danielle Oliveira, Giovanna Campos, Jamyle Amory, Kariny Bianca, Leicilane Tomazine, Michel Gomes, Thauany Melo, Ton Paulo, Vanessa Chaves, Victoria Lacerda, Vinícius Silva e Vitor Santana
Design
Marco Aurélio Soares
Audiovisual
Vitor Santana e Michel Gomes
Arte
Patrick Guimarães e Ricardo Machado
Imagens de apoio
Zé Washington e Diomício Gomes